quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

O carrasco, a pipoca e a santa.

Richard Jakubaszko
Aprendi que nunca se deve misturar as coisas. Uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. Se umbanda funcionasse o campeonato baiano terminava sempre empatado, conforme o aforismo de Nenê Prancha, futebolista juramentado. 
 
Inesquecível Itália 3 x Brasil 2, Copa do Mundo, Espanha, 1982, o carrasco Paolo Rossi 3 e nós 2. Uma tortura! Tínhamos o mais belo dos padrões de jogo de seleções brasileiras de todos os tempos, sob o comando de Telê Santana, que se mandou embora semanas atrás, às vésperas, portanto, e vai assistir a copa no telão de plasma do divino, 128 polegadas, som quadrifônico, sem delay. Telê vai lembrar que, no Sarriá, Zico, Falcão, Éder, Cerezzo & Cia., jogavam por música. A seleção encantava até os inimigos. Pode não ter sido a melhor seleção de todos os tempos, mas foi das melhores. 
O Brasil inteiro jogava embalado pelo ritmo daquela seleção, tão ou mais que a seleção de hoje na Alemanha. 
 
Lá em casa, antes do jogo, fizemos a preparação das mandingas tradicionais como em todos os jogos da seleção em mundiais. Antes do jogo pipoca na panela e cerveja no freezer. Tudo ficava pronto, em estado de concentração, à espera do grande momento. Quando a TV abria o sinal da transmissão direta acendia-se o fogão, a pipoca explodia até os piruás em comemoração prévia. 
 
Na audição dos hinos a farta tigela de pipoca já "segurava" a expectativa da turma. Minha mulher, as duas filhas, elas na época com 9 e 7 anos, e eu, com os rituais de sempre, na frente da telinha. São raros os brasileiros que não têm seus rituais, esses eram os nossos... tem gente que assiste os jogos sempre com o mesmo chinelo, ou a mesma camisa velha, boina, e até cueca, sem nunca lavar, porque se uma vez funcionou tem de funcionar sempre. Tenho um tio, hoje na casa dos setenta, que na copa de 58 teve o braço quebrado, e ouviu pelo rádio a copa inteira com o braço engessado. Pois até hoje, em todas as copas, ele engessa o mesmo braço, na certeza de que mais uma vez vai funcionar... bem, funcionou 5 vezes, vai funcionar pela sexta vez? 
 
Em 1982 a bola rolou no Sarriá, muita ansiedade na sala de casa, a pipoca se foi rápida, e Paolo Rossi fez o primeiro. Mais nervosismo. Empatamos, que alegria!!! Agora vai... 
 
Veio o intervalo e no reinício do segundo tempo Rossi fez 2 x 1, que sofrimento! Quase uma eternidade depois, empatamos de novo! Que festa! A seleção crescia em campo. Somos melhores, vamos ganhar! 
 
A primogênita ia da sala para o dormitório, sem disfarçar o pânico. Fazia orações para Santa Rita de Cássia, padroeira da família. Não dei importância para suas idas e vindas, mas percebia o movimento, até que Rossi - carrasco filho da puta!!! - fez 3 x 2, quase no fim do jogo. Que decepção! Maledeto esse Rossi! No final do jogo, estupefata, candidamente, minha filha comentou que não entendia mais nada, rezara e acendera vela para Santa Rita, e nos dois gols anteriores o pedido tinha dado certo. 
 
Aí caiu minha ficha! Descarreguei a raiva de uma só vez:- maluca, bandida, panaca!!!, Você rezou prá santa errada, Santa Rita de Cássia é italiana, nunca iria atender teu pedido... 
 
A santa meteu seu dedo em favor da azurra? Vai saber... Na dúvida nunca mais misturamos orações e futebol, só pipoca e cerveja, e seguimos adeptos de Santa Rita de Cássia.
 
 
 
 
 
 
 
 
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Um comentário:

  1. Parabéns Richard. Eu não me lembro muito bem da copa de 82, mas meu pai diz que realmente foi a melhor seleção. Mas em compensação, lembro-me das "mandingas". Cada um tem as suas, e dão certas. As vezes, não para o nosso lado.
    Abraço

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