Richard Jakubaszko
Esta história é exemplar. Aconteceu com a soja, numa pequena cidade chamada Giruá, perto de Passo Fundo, no norte do Rio Grande do Sul. Antes da soja, Giruá era um município independente e emancipado, mas pobre. Tão pobre que a prefeitura não tinha nenhum veículo automotor. Os poucos carros que circulavam tinham placas de outras cidades. Veio a soja, a partir de 1969/1970, e com ela a cidade prosperou, vivendo um momento de riqueza esplendorosa, digna das histórias das "mil e uma noites". Isso aconteceu porque a soja, que apresentava bons preços, repentinamente teve seu preço multiplicado por cinco no mercado internacional. Corria o ano agrícola de 73/74, logo depois do primeiro "choque" do petróleo. As nações européias resolveram suspender importações de carne como forma de reduzir despesas com importações e poder continuar importando o petróleo que havia subido de preço a partir dos acordos da OPEP (Organização dos Países Produtores de Petróleo). A importação de carne estava proibida pela CEE (Comunidade Econômica Européia), principalmente dos países da América do Sul, porque grassava uma epidemia de aftosa por estas bandas de cá.
Portanto, os países europeus precisavam importar, de qualquer maneira, nutrientes protéicos para alimentar e engordar seus rebanhos. Encontravam no atum do Peru uma boa fonte, alternativa e barata, para enriquecer a ração com a farinha de peixe. A grande procura, o aumento da pesca, e a depredação por parte dos pescadores ao meio ambiente ao praticarem a pesca de cardumes em época de desova, obrigaram o governo peruano a proibir a pesca de atum por um período mínimo de doze meses.
A Europa, em pleno inverno, foi em busca de alternativas e encontrou na soja o substituto mais adequado. Os estoques reguladores dos norte-americanos mal deram para atender as primeiras necessidades dos importadores europeus. A Bolsa de Chicago, durante semanas seguidas, estourou seus índices de aumentos. E tudo em dólar.
Em plena entressafra norte-americana, e na época da safra brasileira. Se já vivíamos o "boom" na economia brasileira, se estávamos em ritmo de crescimento e euforia de "Brasil Grande" (o Brasil do "Ame-o ou deixe-o!" do "Prá frente Brasil!") imagine o que aconteceu em Giruá! Com a riqueza inesperada, circulando afoita, o volume de automóveis em Giruá foi de 1,2 per capita. Ou seja: 5 mil habitantes e 6 mil carros. Superou o índice de Los Angeles que era de um para um, e então o mais elevado do planeta. Assim, como exacerbação e demonstração do poder de consumo, os sojicultores de Giruá fizeram a festa e comemoraram junto com seus então quase 5 mil munícipes. É claro que ninguém estava dando carros de presente no meio da rua, até porque não eram todos carros 0 km. Mas o fato comprova que consumidor em potencial vira consumidor real quando tem dinheiro sobrando. E que o lixo do rico é a sobremesa do pobre.
O poder de consumo dos sojicultores, naquela época, e a maneira de demonstrar essa condição, não diferiram daqueles que observamos no citricultor paulista quando este ganhou dinheiro com as geadas nos laranjais norte-americanos ou nos plantadores de qualquer outra cultura que repentinamente atinge a condição de alta procura e pouca oferta.
Entre outras coisas, essa história demonstra que o produtor rural não é um bicho de sete cabeças e de um único comportamento. Porque, antes de tudo, ele é um ser humano, e como tal não está imune às emoções e idiossincrasias do comportamento humano em relação ao consumo. De qualquer maneira o consumismo torna-se um hábito comum. Não apenas nos produtores rurais, mas em qualquer trabalhador ou investidor, ou empresário, quando tem dinheiro muito além daquilo a que está acostumado.
No que diz respeito aos produtores rurais, é muito freqüente observarmos que seu hábito como consumidor de insumos se altera na mesma proporção que a alta ou baixa do preço final do seu produto. Na alta ele se revela grande consumidor, inclusive de produtos urbanos. Na baixa, o produtor rural adota a mesma postura gerada por uma recessão: reduz consumo. Até aí nenhuma novidade. A diferença está em que, na recessão, os seres urbanos reduzem seus gastos com o supérfluo, enquanto o produtor rural reduz não apenas supérfluos, mas investimentos, e despesas básicas à manutenção da sua atividade. Ou seja, se regularmente usa adubo, ele passa a usar doses menores; se usa herbicidas de pré-emergência, passa a usar doses menores na expectativa de usar ou não um de pós-emergência. Em sua recessão, o produtor semeia e espera para ver o que vai dar; não se arrisca a comprar antecipadamente os inseticidas e fungicidas na esperança de não precisar deles; não faz nenhum tipo de estoque além do absolutamente necessário e inevitável uso na lavoura; não compra nem tratores e nem implementos.
O pecuarista reduz ou elimina temporariamente a ração comprada pronta; alguns deixam de aplicar vacinas, e os focos epidêmicos das doenças acabam voltando. E a roda vai girando assim, porque esse é um hábito do produtor rural como consumidor, que, na verdade, se reforça na esteira dos solavancos de nossa economia.
Estamos hoje (2006) no avesso da história de Giruá. O consumo de quase tudo caiu de forma sensível nas principais regiões produtoras de grãos, em especial no Brasil Central. Ninguém está comprando nada. Sabe aquele sujeito que não paga ninguém? Mesmo quando tem dinheiro sobrando ele compra e não paga. Pois até esse, agora, não está comprando nada...
O mercado consumidor é perverso, não tenhamos dúvidas. Entretanto, se alguém tem culpa da crise atual este alguém é o produtor rural, independentemente do que vier a acontecer com o câmbio. Se o agricultor hoje é parte do problema, deve entender que faz parte da solução, por isso é que precisa auto-regular o mercado, ajustar o plantio e a oferta de acordo com as necessidades do mercado consumidor, caso contrário teremos, à nossa escolha, a geração de riquezas ou miséria.
O agricultor precisa de muita união, não para protestar, mas para reconstruir o futuro. Não dá para enfrentar o mercado de peito aberto, é suicídio! E, olha só, temos mais sorte que juízo: vem ai o biodiesel e, principalmente, vem ai o H-Bio, novas alternativas de uso dos grãos, em especial soja, que devem reduzir os atuais estoques. Mas o agricultor precisa se preparar, pois novas crises acontecerão no futuro breve, e cada vez serão piores que as antecedentes. União, minha gente!
A crônica acima foi extraída e adaptada do livro "Marketing Rural – Como se comunicar com o homem que fala com Deus", de autoria do jornalista e publicitário Richard Jakubaszko. Este livro foi reeditado em 2006, em 2ª edição, pela Editora UFV, da Universidade Federal de Viçosa – MG.
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