Frase do pastor Silas
Malafaia: “O crime de opinião foi extinto e o ativismo gay quer dizer que a
minha opinião sobre a união homoafetiva é crime”.
Título do portal
noticioso de um grande jornal: “Silas Malafaia diz que união homoafetiva é
crime”.
Talvez tenha sido um erro, de alguém que leu o texto muito
por alto e elaborou o primeiro título que coube no espaço. Talvez tenha sido o
efeito-manada: como é politicamente correto falar mal do pastor Malafaia, vale
qualquer título que se faça contra ele. Mas é óbvio, pelo texto, que o pastor
disse que há ativistas querendo transformar em crime uma opinião com a qual não
concordam.
Frase do
ex-presidente Lula: “Já liguei para a presidente Dilma e disse para ela
(...) da falta de fiscal. Ela disse: Pode deixar que eu vou chamar o pessoal
para resolver isso”.
Título de um grande
jornal: “Lula diz a executivos do Peru que influi em decisões de Dilma”.
Talvez tenha sido um erro, de alguém que confundiu a
reclamação de uma pessoa de prestígio (e comunica a seus interlocutores que a
queixa deu resultado) com uma bravata, uma bazófia, uma tentativa de mostrar-se
importante. Talvez tenha sido o efeito-manada: há grupos partidários
interessados em mostrar que Lula manda em Dilma, há grupos partidários
interessados em mostrar que, ao contrário do que dizem outros grupos, Lula e
Dilma se entendem perfeitamente, há grupos partidários interessados em mostrar
que, sem os conselhos de Lula, a presidente Dilma é incapaz de tomar qualquer
decisão, por simples que seja. Mas é óbvio, pelo texto, que Lula diz ter feito
uma queixa à presidente (que o atende prontamente ao telefone, e isso nunca foi
segredo, nem é errado) e que ela prometeu levar em conta as ponderações que lhe
foram feitas.
O pior é que, tanto no noticiário impresso quanto no
virtual, o título é mais lido do que a notícia. Como agravante, o noticiário
virtual não dá aos títulos a mesma importância que lhes é concedida nos meios
impressos. Entrou no espaço (às vezes nem isso), está ótimo: bola pra frente,
que o importante é sair alguns segundos na frente da concorrência – sabe-se lá
para que, mas deve ser bom.
Há alguns anos, quando o então candidato Lula comandava a
Caravana da Cidadania e o presidente era Itamar Franco, Lula fez um comentário
absolutamente normal, em linguagem coloquial, sobre as oportunidades que, a seu
ver, Itamar estava perdendo. As palavras que usou poderiam normalmente ser
consideradas ofensivas; mas, em determinado contexto – algo como “esse (...) do
nosso goleiro está pegando tudo!” – são elogiosas. Definitivamente, Lula não
estava insultando Itamar nem sua família; definitivamente, o que Lula dizia de
Itamar não se referia à conduta de dona Itália, a senhora mãe do então
presidente. Mas houve quem forçasse a barra, forçando o país a discutir insultos
que não haviam sido proferidos.
Tão ruim quanto distorcer o que foi dito para obter um
título melhor é levar ao pé da letra uma expressão coloquial, para criar
constrangimentos (ou criando-os do mesmo jeito, mesmo sem intenção). Quando
alguém se refere a um jogador de futebol como perna de pau, ou a um boxeador
como queixo de vidro, certamente não está pensando numa prótese.
De qualquer forma, surge então o principal problema: além da
criação de constrangimentos, o desvio de foco dos debates. Pois quando se
discute o problema errado a solução será sempre errada.
O passado passou
Atenção, colegas: o Superior Tribunal de Justiça decidiu
pelo direito ao esquecimento. Da mesma forma como um eventual crime é prescrito
depois de determinado período, fatos passados não devem ser relembrados
constantemente, como se fossem uma espécie de aposto do nome do personagem.
Ninguém pode ser obrigado a conviver para sempre com erros do longínquo
passado.
As decisões foram adotadas em dois casos diferentes: o de
uma pessoa acusada (processada, julgada e absolvida) no caso da Chacina da
Candelária, e o de uma jovem assassinada em 1958, num caso que mereceu ampla
repercussão da imprensa em geral, capitaneada pelas reportagens da revista O
Cruzeiro. O processo, no episódio da moça assassinada, foi movido por sua
própria família, alegando que os fatos já não eram mais de conhecimento popular
e que revivê-los apenas traria de volta as angústias e sofrimentos por que
passou na época.
Diz o ministro Luiz
Eduardo Salomão, relator dos dois casos no STJ:
“Não se pode, pois, nestes casos, permitir a eternização da
informação. Especificamente no que concerne ao confronto entre o direito de
informação e o direito ao esquecimento dos condenados e dos absolvidos em
processo criminal, a doutrina não vacila em dar prevalência, em regra, ao
último”.
Não há uma definição do prazo que faz com que o envolvido em
algum episódio ganhe o direito ao esquecimento. Cada caso é um caso (e nem
sempre o princípio do direito ao esquecimento poderá ser aplicado). O
importante é saber que há uma nova tendência na análise de eventuais abusos que
prejudiquem a imagem de personagens de notícias ou lhes causem qualquer tipo de
prejuízo.
Preconceito, sempre
Na foto de um grande portal noticioso, a tenista Maria
Sharapova aparece durante num bom lance de mais uma partida que venceu. No
título, informa-se que a tenista “só não vence a celulite”.
É o preconceito velho de guerra: este colunista nunca viu
críticas à estética das pernas de Garrincha, exceto quando se discutiam
problemas médicos e as causas de, mesmo sendo tortas, permitirem dribles
incríveis e rápidas arrancadas. Mas Maria Sharapova não pode apenas ser uma das
maiores tenistas do mundo: o importante, para alguns meios de comunicação, é a
celulite. Então, tá.
A culpa da vítima
E, por falar em preconceito, a polícia da capital chinesa,
Pequim, iniciou campanha contra o assédio sexual. Sugere às mulheres que não
usem minissaias ou outras roupas “leves demais” em ônibus ou no metrô. Outra
sugestão: que cubram a parte visível das pernas com a bolsa ou com jornais.
Como de hábito, a culpa é das vítimas. No Brasil já houve
campanhas (que apareceram até mesmo na internet) em que as mulheres eram
aconselhadas a usar cabelos curtos, blusas sem decotes, tudo para evitar
estupros. Prender os estupradores, nem pensar.
Dinheiro nos ralos
Responda depressa: o caro colega tem o direito de escolher a
empresa que lhe fornecerá água encanada e receberá o esgoto de sua residência?
Não? Então, se está submetido a um monopólio, por que o governo de São Paulo
vai gastar R$ 120 milhões por ano em propaganda de sua empresa de águas e
esgotos?
Pois é. Esquisito! E há coisas ainda mais estranhas. No ano
que vem haverá eleições. Pois não é que o governo tucano paulista retirou da
sua empresa de águas e esgotos a responsabilidade pela escolha das agências que
a atenderão e assumiu diretamente o pesado encargo de julgar a concorrência?
Talvez o tempo disponível da diretoria da empresa de águas e
esgotos esteja escasso, diante da magnitude de suas tarefas, e o governo,
preocupado em não sobrecarregá-la, decidiu aproveitar suas próprias horas
ociosas para fazer o serviço. É. Pensando bem, deve ser isso.
Como...
Do portal noticioso de um grande jornal:
** “Morto aos 23, alemão, Georg Büchner tem duas pessas em
cartaz em SP”.
Duas pessas, cim, çenhor. E, se houvece mais três, ceriam
sinco pessas.
...é...
De um grande jornal impresso, de circulação nacional:
** “As vendas de manufaturados representaram apenas 36,9% do
total embarcado. A receita dos básicos correspondeu a 47,6% do total e a dos
semimanufaturados a 31,2%”.
Quando este colunista estudou aritmética, 100% equivalia ao
total. Logo, em algum lugar dos cálculos do jornal, deve haver dupla contagem.
Mas onde?
...mesmo?
De um grande portal noticioso:
** “Rubens Paiva foi autuado por estacionar em vaga
especial”.
A notícia em si é daquelas que só acontecem no Brasil.
Embora use cadeira de rodas o tempo todo, embora tenha a autorização oficial
para estacionar o carro em vagas para deficientes físicos, embora coloque a
autorização em lugar visível, já foi multado várias vezes. E seus recursos,
comprovando a tese de que aprovar ou rejeitar recursos é questão de cotas, vêm
sendo sucessivamente rejeitados.
Mas o personagem da notícia é Marcelo Rubens Paiva, o
escritor. Rubens Paiva é seu pai, preso e assassinado pela ditadura militar há
cerca de 40 anos.
Frases
Do blogueiro Ricardo Noblat:
** “Se a imprensa não existisse os governos seriam mais
felizes.”
Do repórter e escritor Cláudio Tognolli:
** “Na Arábia Saudita, bandido é amputado: no Brasil, é
deputado.”
Do jornalista e dramaturgo Oswaldo Mendes:
** “O jogador chega ao clube e diz que veio para ajudar.
Chega à seleção e diz que veio para ajudar. E até o Neymar diz que chega ao
Barcelona para ajudar. Ninguém chega pra jogar, caramba? O politicamente
correto é um porre!”
Do compositor Júnior Bueno:
** “Jornalistas, vamos parar de usar a palavra
‘companheiro/a’ pra casais do mesmo sexo? Somos gays, não somos da CUT.”
As não notícias
Existe uma maneira simples de evitar o cansativo trabalho de
apuração e os riscos de assumir a responsabilidade por divulgar uma notícia: é
só dizer que a notícia talvez tenha acontecido, talvez não, ou pode ser que
eventualmente, sabe-se lá, tenha algum fundo de verdade. Ou não.
1. – Texto: “Uma tentativa de sequestro-relâmpago na Zona
Sul de São Paulo terminou com um suspeito morto e outro detido (...)”
Os cavalheiros capturaram a jovem que dirigia o carro,
fizeram-na de refém, atiraram na polícia. E continuam sendo tratados como
“suspeitos”.
2. – Paris, filha de Michael Jackson, tentou suicídio, foi
internada, recuperou-se. Mãe e hospital confirmaram a tentativa de suicídio.
Títulos:
** “Filha de Michael Jackson teria tentado suicídio”
** “Filha de Michael Jackson é internada após suposta tentativa
de suicídio”
3. – O vídeo mostra um cavalheiro de blusa vermelha atirando
na vítima e matando-a. O portal noticioso tem link do vídeo; todos podem vê-lo.
Por que o assassino vira “suspeito” após todo mundo assistir
ao crime que ele acaba de cometer???
E eu com isso?
As notícias viraram não-notícias; em compensação, as
não-notícias viraram notícias, confirmadas, caprichadas, com fotos, com
revelações espetaculares.
** “Tenho a periquita mais desejada do Brasil”, diz Gaby
Amarantos
** “Katy Perry circula de bobes no cabelo em Los Angeles”
** “Isis Valverde sai para jantar com namorado”
** “Justin Bieber é visto cercado de garotas”
** “Murilo Benício usa bermuda justinha”
** “Shakira adora andar descalça”
** “Cláudio Heinrich surfa na praia da Barra”
** “Keanu Reeves passeia de moto na Califórnia”
** “Carolinie Figueiredo almoça com Guga Coelho e sua filha”
** “Angelina Jolie acompanha Brad Pitt a première de filme
em Berlim”
** “Caio Castro mostra foto da infância”
** “Beyoncé espanta boato de gravidez”
O grande título
O material é caprichado. Começa com algo que parece uma
crítica ao trabalho de uma atriz, embora o fato merecesse elogios:
** “Mulher de Tim Burton fica irreconhecível como Elizabeth
Taylor em filme”
Ainda bem: se ela não se transformasse em Liz Taylor, seria
uma péssima atriz.
E um título notável mostra que a capacidade de Neymar de
surpreender os repórteres esportivos parece não ter fim:
** “Neymar fala com camisa do Barça”
Que será que a camisa do Barça respondeu?
* Carlos Brickmann é jornalista, diretor da
Brickmann&Associados Comunicação, em 11/06/2013, no Observatório da Imprensa, edição 750: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_ed750_sem_distorcer_distorcendo
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