Richard
Jakubaszko
Recebo de Portugal e-mail de Luís Amorim, cidadão luso e humanista preocupado com privatizações públicas na terrinha de além-mar. Reproduzo abaixo a denúncia publicada no jornal "O Avante". Parece o Brasil, como poderemos observar no texto da autora, que denuncia as privatizações da água dos portugueses, como exatamente já se fez no Brasil com a Sabesp e outras estatais estaduais que deveriam cuidar da água consumida por todos os brasileiros. Lamentavelmente, a denúncia se restringe à água, mas se trocarmos a palavra água por telefonia, ou ainda energia elétrica, celular, TV a cabo, petróleo (petróleo do pré-sal para breve, mas já iniciou-se a privatização, e logo a seguir das nossas sucateadas empreiteiras...), e ainda estradas, portos, aeroportos, é fácil perceber o quanto o Brasil está privatizado e entregue ao capital internacional, com a cumplicidade dos políticos e dos poderes públicos.
Recebo de Portugal e-mail de Luís Amorim, cidadão luso e humanista preocupado com privatizações públicas na terrinha de além-mar. Reproduzo abaixo a denúncia publicada no jornal "O Avante". Parece o Brasil, como poderemos observar no texto da autora, que denuncia as privatizações da água dos portugueses, como exatamente já se fez no Brasil com a Sabesp e outras estatais estaduais que deveriam cuidar da água consumida por todos os brasileiros. Lamentavelmente, a denúncia se restringe à água, mas se trocarmos a palavra água por telefonia, ou ainda energia elétrica, celular, TV a cabo, petróleo (petróleo do pré-sal para breve, mas já iniciou-se a privatização, e logo a seguir das nossas sucateadas empreiteiras...), e ainda estradas, portos, aeroportos, é fácil perceber o quanto o Brasil está privatizado e entregue ao capital internacional, com a cumplicidade dos políticos e dos poderes públicos.
O
oligopólio da água
Do
jornal “O Avante” por Luisa Tovar
A
luta pela água de todos e para todos é uma luta de classe
Refletir
sobre política da água em Portugal (e no mundo).
O
Dia Nacional da Água comemora-se a 1 de Outubro, o início do ano
hidrológico em Portugal; foi criado em 1983, com o objetivo de
promover, a cada ano, a reflexão sobre a água. Reflitamos, pois,
sobre a política da água, que bem preciso é. Reflitamos da maneira
certa, compreendendo para transformar, para mudar. Tão criticamente
urgente e tão vitalmente necessária que é essa mudança.
O
assunto que vos trago parece fantástico e é certamente aberrante.
Mas é muito real e gravíssimo. O intuito destes poucos tópicos é
despertar a vontade de maior esclarecimento e aprofundamento, porque
desfazer as sombras é o primeiro passo na estratégia de defesa
necessária.
O
oligopólio da água
O
grande capital transnacional está a construir monopólios (ou, mais
rigorosamente, um oligopólio) da água – Toda
a água.
O
objetivo é que ninguém possa ter acesso a uma gota de água sem pagar
o preço que o oligopólio quiser pedir por ela.
No
próprio facto desse intuito ser uma aberração tão fantástica
está a sua melhor camuflagem – têm vindo a construir esse mesmo
oligopólio a passos de gigante, sem que quase ninguém acredite no
que está à vista de todos.
Opera
globalmente. E em Portugal está bastante instalado.
A
estratégia geral é obter concessões exclusivas de todo e qualquer
fornecimento de água e, idealmente, de todo e qualquer acesso de
alguém à água; de forma a receber um pagamento por cada vez que
alguém usa água.
Não
se trata de «possuir» ou «vender» muita ou pouca água. A questão
fundamental é cortar totalmente outras alternativas de acesso. O
interesse é no monopólio.
Seja
a degradação e indisponibilização de outras origens e
possibilidades de acesso à água, sejam proibições e penalizações
pesadas para a fruição gratuita ou menos dispendiosa da água, têm
o exclusivo objetivo (oculto) de garantir o monopólio. Nessa linha
enquadram-se regulamentações cada vez mais restritivas e inúmeras
medidas mascaradas com pretextos de saúde pública ou alegada
escassez.
No
caso da água é possível ir instalando monopólios locais ou
regionais. Quem reside ou faz agricultura num determinado local não
pode ir buscar água muito longe, mesmo gratuita... pagará ao
monopólio de proximidade.
As
peças básicas são monopólios setoriais regionais – dos quais o
mais evidente e no qual mais avançaram em Portugal é o do
abastecimento de água urbano.
Estão
já instalados muitos outros monopólios setoriais regionais, desde
praias marítimas e fluviais exclusivas a pagantes até as barragens
concessionadas que controlam o regime de escoamento de rios inteiros.
Outros
estão prontos, ou quase prontos, para entrega ao oligopólio.
A
legislação está em vigor, talhada à conveniência do capital.
Prontos
para entrega
Sociedades
Anônimas são detectoras de concessões fundamentais, algumas delas
com delegação das funções do Estado na Administração do Domínio
Público Hídrico (o que passou a ser permitido pela Lei nº58/2005,
designada por «Lei da Água»). Essas S.A. são entidades de direito
privado, ou seja, já foi feita uma «privatização formal». Têm
estado a ser «engordadas» com poderes, infraestruturas e fundos
públicos, além de medidas legislativas visando a sua rentabilidade
numa óptica de interesse privado e em atropelo do interesse público.
Dos
exemplos mais graves, estão prontas para a alienação, ou já são
total ou parcialmente privadas:
EDIA
S.A.
– Concessionária, em termos muito vastos, do Aproveitamento de
fins múltiplos do Alqueva (muito mais amplo ainda do que a barragem
e a albufeira), com delegação de funções do Estado na
administração e gestão do Domínio Público Hídrico (Exerce na
prática muitas funções de Autoridade da água numa vasta zona do
Alentejo).
APL,
Administração do Porto de Lisboa SA
e APDL,
Administração dos Portos do Douro, Leixões e Viana do Castelo,
S.A. –
Extensíssima área de jurisdição além dos portos propriamente
ditos, estuários dos rios a montante do porto, vasta zona marítima
e costeira. Vasta delegação de funções do Estado.
Empresas
S.A.
do Grupo Águas de Portugal,
incluindo EPAL
– Concessionárias de Sistemas Multimunicipais de abastecimento de
água e/ou de águas residuais afetando a maioria dos conselhos
do Continente. Tem de facto o monopólio de «fornecimento» e/ou
«recepção» das águas de todos os municípios abrangidos, sejam
públicos ou privados o abastecimento e saneamento direto à
população. É-lhe paga a água no depósito de chegada e é pago o
volume de esgoto (e as águas pluviais) que chegam à ETAR.
EDP
SA
– Tem concessões muito latas da maioria dos grandes
aproveitamentos hidroelétricos, controlando totalmente os rios Lima,
Cávado e Mondego, parcialmente o Douro e o Tejo. É quase totalmente
privada.
IBERDOLA
– Empresa privada transnacional com sede em Espanha, obteve
concessão da cascata de 3 grandes aproveitamentos hidroelétricos no
Tâmega.
EDESA
– Empresa privada transnacional com sede em Espanha, obteve
concessão do grande aproveitamento hidroelétrico de Girabolhos, no
Mondego.
Concessões
leoninas
O
cartel das transnacionais da água é liderado por um pequeno número
de enormíssimos grupos financeiros, destacando-se, porque «abriram
o caminho», protagonizaram e protagonizam algumas posições
públicas mais evidentes, as duas «francesas» Veolia (Compagnie
Generale des Eaux, CGE, ex-Vivendi) e Suez (Lyonnaise des eaux), com
inúmeras subsidiárias de nomes diferentes. São todas tão
interligadas, mutantes e intercambiantes que é difícil saber quem é
quem e deixou de ser relevante. O modus
operandi
é comum.
A
carteira de monopólios em nenhuma das grandes se cinge às águas –
resíduos sólidos, eletricidade, gás, telecomunicações, saúde,
transportes, portos, aeroportos, prisões, são áreas de ação que
frequentemente aparecem associadas, também na perspectiva de
oligopólio.
São
sempre contratos leoninos, em que o Estado se compromete a garantir
lucro certo sobre volumes de negócio grosseiramente superestimados.
São-lhes entregues investimentos, infraestruturas e bens públicos,
recebendo ainda verbas públicas a pretexto de se tratar de serviços
de interesse público; compram a si próprios, com preços e lucros
que estabelecem e direitos de patentes em seu favor, caríssimos
equipamentos, materiais e produtos utilizados na atividade que
debitam paulatinamente nas despesas do serviço a repor. E cabe ao
Estado extorquir ao povo as fabulosas verbas requeridas pelo
concessionário.
Recentemente,
os grupos mais poderosos do cartel, têm vindo a largar as concessões
de abastecimento de água e saneamento «em baixa» (distribuição
de água e recolha de águas residuais) em grande parte porque têm
vindo a ser escorraçados pelas populações e por alterações
políticas nos municípios ou nos estados e muitos contratos não são
renovados. Mas correm vertiginosamente para os monopólios a montante
e jusante, muito mais opacos e rentáveis, com o intuito de se
interpor entre a água da natureza e os prestadores do serviço
público.
No
caso dos serviços de abastecimento de água e saneamento, as
concessões dos sistemas multimunicipais (privatização das empresas
das Águas de Portugal) proporcionam diretamente os monopólios
cobiçados. Mas não só esses. A concessão de um aproveitamento com
albufeira onde haja uma captação para abastecimento público também
lhe dá controlo sobre esse abastecimento.
E
a EDIA? E as administrações portuárias? E a EDP?
Esta
é só uma pequenina ponta do iceberg
tão imenso, e do qual tão pouco se fala ...
Política
da água e a lei de bases da água do PCP
A
gravíssima situação que acima se apontou sumariamente é apenas
uma das muitas facetas da política da água que tem vindo a ser
imposta a Portugal, na obediência servil ao capital monopolista,
pelos sucessivos governos e maiorias parlamentares.
Não
tem havido espaço público nem debate alargado sobre a política da
água e somos inundados da propaganda dos que nos assaltam
desenvergonhadamente... é muito fácil ser iludido.
O
PCP tem feito numerosíssimas intervenções institucionais de
oposição a esta política da água, propostas concretas
alternativas; e põe em prática uma política bem diferente nos
municípios CDU. Mas dados os contextos, demasiado sumárias ou
específicas.
A
mais completa exposição da política da água que o PCP defende
encontra-se no «Projeto de Lei 119/X – que aprova a Lei de Bases
da Água», apresentado à Assembleia da República em 2005.
Começa
assim: «A
água, elemento contínuo no ciclo hidrológico, é parte integrante
e fundamental do constante movimento e evolução da natureza,
determinante da composição atmosférica, do clima, da morfologia,
das transformações químicas e biológicas, das condições de toda
a vida na Terra, sendo insubstituível e essencial nas suas funções
de suporte à vida e ao bem-estar humano, bem como à maioria dos
processos produtivos. A vida e as atividades humanas dependem dessa
circulação comum que liga todos os seres vivos, passados, presentes
e futuros. (...)»
O
artigo 6.º define a política da água: «É
dever do Estado assegurar uma política da água com base na
solidariedade, na unidade do ciclo hidrológico, na harmonia com a
dinâmica dos processos naturais e norteada pela defesa do primado do
seu caráter público».
No
artigo 10 e seguintes define 9 tipos de direitos associados à água,
entre os quais o direito à segurança – em relação às cheias,
secas, poluição e outros riscos...
Tem
90 artigos; não é a lei que temos, mas ajuda muito a descobrir a
lei que queremos – por isso é uma arma imprescindível.
Luta
de massas
Já
há mais de uma década que cresce em Portugal uma oposição pública
mais ou menos organizada à privatização da água e nas ações de
rua nota-se o crescimento da sensibilidade à defesa da água
pública, mas lentamente. E esse crescimento associa-se a fatos,
iniciativas, debates e ações concretas.
A
luta pela água de todos e para todos é uma luta de classe e
insere-se na luta geral, porque não há água pública enquanto o
poder político estiver subordinado ao poder econômico. Mas é uma
luta específica, cujo potencial mobilizador está longe de ser
alcançado.
Creio
que em simultâneo com as ações concretas, é preciso mais estudo,
reflexão e debate, conhecer melhor para transformar... e uma enorme
capacidade de contágio dessa vontade de transformação.
.
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