quinta-feira, 27 de outubro de 2016

O oligopólio da água

Richard Jakubaszko
Recebo de Portugal e-mail de Luís Amorim, cidadão luso e humanista preocupado com privatizações públicas na terrinha de além-mar. Reproduzo abaixo a denúncia publicada no jornal "O Avante". Parece o Brasil, como poderemos observar no texto da autora, que denuncia as privatizações da água dos portugueses, como exatamente já se fez no Brasil com a Sabesp e outras estatais estaduais que deveriam cuidar da água consumida por todos os brasileiros. Lamentavelmente, a denúncia se restringe à água, mas se trocarmos a palavra água por telefonia, ou ainda energia elétrica, celular, TV a cabo, petróleo (petróleo do pré-sal para breve, mas já iniciou-se a privatização, e logo a seguir das nossas sucateadas empreiteiras...), e ainda estradas, portos, aeroportos, é fácil perceber o quanto o Brasil está privatizado e entregue ao capital internacional, com a cumplicidade dos políticos e dos poderes públicos.

O oligopólio da água
Do jornal “O Avante” por Luisa Tovar
 

A luta pela água de todos e para todos é uma luta de classe
Refletir sobre política da água em Portugal (e no mundo).
O Dia Nacional da Água comemora-se a 1 de Outubro, o início do ano hidrológico em Portugal; foi criado em 1983, com o objetivo de promover, a cada ano, a reflexão sobre a água. Reflitamos, pois, sobre a política da água, que bem preciso é. Reflitamos da maneira certa, compreendendo para transformar, para mudar. Tão criticamente urgente e tão vitalmente necessária que é essa mudança.

O assunto que vos trago parece fantástico e é certamente aberrante. Mas é muito real e gravíssimo. O intuito destes poucos tópicos é despertar a vontade de maior esclarecimento e aprofundamento, porque desfazer as sombras é o primeiro passo na estratégia de defesa necessária.

O oligopólio da água
O grande capital transnacional está a construir monopólios (ou, mais rigorosamente, um oligopólio) da água – Toda a água.
O objetivo é que ninguém possa ter acesso a uma gota de água sem pagar o preço que o oligopólio quiser pedir por ela.
No próprio facto desse intuito ser uma aberração tão fantástica está a sua melhor camuflagem – têm vindo a construir esse mesmo oligopólio a passos de gigante, sem que quase ninguém acredite no que está à vista de todos.
Opera globalmente. E em Portugal está bastante instalado.

A estratégia geral é obter concessões exclusivas de todo e qualquer fornecimento de água e, idealmente, de todo e qualquer acesso de alguém à água; de forma a receber um pagamento por cada vez que alguém usa água.
Não se trata de «possuir» ou «vender» muita ou pouca água. A questão fundamental é cortar totalmente outras alternativas de acesso. O interesse é no monopólio.

Seja a degradação e indisponibilização de outras origens e possibilidades de acesso à água, sejam proibições e penalizações pesadas para a fruição gratuita ou menos dispendiosa da água, têm o exclusivo objetivo (oculto) de garantir o monopólio. Nessa linha enquadram-se regulamentações cada vez mais restritivas e inúmeras medidas mascaradas com pretextos de saúde pública ou alegada escassez.
No caso da água é possível ir instalando monopólios locais ou regionais. Quem reside ou faz agricultura num determinado local não pode ir buscar água muito longe, mesmo gratuita... pagará ao monopólio de proximidade.

As peças básicas são monopólios setoriais regionais – dos quais o mais evidente e no qual mais avançaram em Portugal é o do abastecimento de água urbano.
Estão já instalados muitos outros monopólios setoriais regionais, desde praias marítimas e fluviais exclusivas a pagantes até as barragens concessionadas que controlam o regime de escoamento de rios inteiros.
Outros estão prontos, ou quase prontos, para entrega ao oligopólio.
A legislação está em vigor, talhada à conveniência do capital.
 
Prontos para entrega
Sociedades Anônimas são detectoras de concessões fundamentais, algumas delas com delegação das funções do Estado na Administração do Domínio Público Hídrico (o que passou a ser permitido pela Lei nº58/2005, designada por «Lei da Água»). Essas S.A. são entidades de direito privado, ou seja, já foi feita uma «privatização formal». Têm estado a ser «engordadas» com poderes, infraestruturas e fundos públicos, além de medidas legislativas visando a sua rentabilidade numa óptica de interesse privado e em atropelo do interesse público. 
 
Dos exemplos mais graves, estão prontas para a alienação, ou já são total ou parcialmente privadas:
EDIA S.A. – Concessionária, em termos muito vastos, do Aproveitamento de fins múltiplos do Alqueva (muito mais amplo ainda do que a barragem e a albufeira), com delegação de funções do Estado na administração e gestão do Domínio Público Hídrico (Exerce na prática muitas funções de Autoridade da água numa vasta zona do Alentejo).
APL, Administração do Porto de Lisboa SA e APDL, Administração dos Portos do Douro, Leixões e Viana do Castelo, S.A. – Extensíssima área de jurisdição além dos portos propriamente ditos, estuários dos rios a montante do porto, vasta zona marítima e costeira. Vasta delegação de funções do Estado.

Empresas S.A. do Grupo Águas de Portugal, incluindo EPAL – Concessionárias de Sistemas Multimunicipais de abastecimento de água e/ou de águas residuais afetando a maioria dos conselhos do Continente. Tem de facto o monopólio de «fornecimento» e/ou «recepção» das águas de todos os municípios abrangidos, sejam públicos ou privados o abastecimento e saneamento direto à população. É-lhe paga a água no depósito de chegada e é pago o volume de esgoto (e as águas pluviais) que chegam à ETAR.
EDP SA – Tem concessões muito latas da maioria dos grandes aproveitamentos hidroelétricos, controlando totalmente os rios Lima, Cávado e Mondego, parcialmente o Douro e o Tejo. É quase totalmente privada.
IBERDOLA – Empresa privada transnacional com sede em Espanha, obteve concessão da cascata de 3 grandes aproveitamentos hidroelétricos no Tâmega.
EDESA – Empresa privada transnacional com sede em Espanha, obteve concessão do grande aproveitamento hidroelétrico de Girabolhos, no Mondego. 
 
Concessões leoninas
O cartel das transnacionais da água é liderado por um pequeno número de enormíssimos grupos financeiros, destacando-se, porque «abriram o caminho», protagonizaram e protagonizam algumas posições públicas mais evidentes, as duas «francesas» Veolia (Compagnie Generale des Eaux, CGE, ex-Vivendi) e Suez (Lyonnaise des eaux), com inúmeras subsidiárias de nomes diferentes. São todas tão interligadas, mutantes e intercambiantes que é difícil saber quem é quem e deixou de ser relevante. O modus operandi é comum. 
 
A carteira de monopólios em nenhuma das grandes se cinge às águas – resíduos sólidos, eletricidade, gás, telecomunicações, saúde, transportes, portos, aeroportos, prisões, são áreas de ação que frequentemente aparecem associadas, também na perspectiva de oligopólio. 
 
São sempre contratos leoninos, em que o Estado se compromete a garantir lucro certo sobre volumes de negócio grosseiramente superestimados. São-lhes entregues investimentos, infraestruturas e bens públicos, recebendo ainda verbas públicas a pretexto de se tratar de serviços de interesse público; compram a si próprios, com preços e lucros que estabelecem e direitos de patentes em seu favor, caríssimos equipamentos, materiais e produtos utilizados na atividade que debitam paulatinamente nas despesas do serviço a repor. E cabe ao Estado extorquir ao povo as fabulosas verbas requeridas pelo concessionário.

Recentemente, os grupos mais poderosos do cartel, têm vindo a largar as concessões de abastecimento de água e saneamento «em baixa» (distribuição de água e recolha de águas residuais) em grande parte porque têm vindo a ser escorraçados pelas populações e por alterações políticas nos municípios ou nos estados e muitos contratos não são renovados. Mas correm vertiginosamente para os monopólios a montante e jusante, muito mais opacos e rentáveis, com o intuito de se interpor entre a água da natureza e os prestadores do serviço público. 
 
No caso dos serviços de abastecimento de água e saneamento, as concessões dos sistemas multimunicipais (privatização das empresas das Águas de Portugal) proporcionam diretamente os monopólios cobiçados. Mas não só esses. A concessão de um aproveitamento com albufeira onde haja uma captação para abastecimento público também lhe dá controlo sobre esse abastecimento.

E a EDIA? E as administrações portuárias? E a EDP?
Esta é só uma pequenina ponta do iceberg tão imenso, e do qual tão pouco se fala ...

Política da água e a lei de bases da água do PCP
A gravíssima situação que acima se apontou sumariamente é apenas uma das muitas facetas da política da água que tem vindo a ser imposta a Portugal, na obediência servil ao capital monopolista, pelos sucessivos governos e maiorias parlamentares.
Não tem havido espaço público nem debate alargado sobre a política da água e somos inundados da propaganda dos que nos assaltam desenvergonhadamente... é muito fácil ser iludido.

O PCP tem feito numerosíssimas intervenções institucionais de oposição a esta política da água, propostas concretas alternativas; e põe em prática uma política bem diferente nos municípios CDU. Mas dados os contextos, demasiado sumárias ou específicas.
A mais completa exposição da política da água que o PCP defende encontra-se no «Projeto de Lei 119/X – que aprova a Lei de Bases da Água», apresentado à Assembleia da República em 2005.

Começa assim: «A água, elemento contínuo no ciclo hidrológico, é parte integrante e fundamental do constante movimento e evolução da natureza, determinante da composição atmosférica, do clima, da morfologia, das transformações químicas e biológicas, das condições de toda a vida na Terra, sendo insubstituível e essencial nas suas funções de suporte à vida e ao bem-estar humano, bem como à maioria dos processos produtivos. A vida e as atividades humanas dependem dessa circulação comum que liga todos os seres vivos, passados, presentes e futuros. (...)»

O artigo 6.º define a política da água: «É dever do Estado assegurar uma política da água com base na solidariedade, na unidade do ciclo hidrológico, na harmonia com a dinâmica dos processos naturais e norteada pela defesa do primado do seu caráter público».
No artigo 10 e seguintes define 9 tipos de direitos associados à água, entre os quais o direito à segurança – em relação às cheias, secas, poluição e outros riscos...
Tem 90 artigos; não é a lei que temos, mas ajuda muito a descobrir a lei que queremos – por isso é uma arma imprescindível. 
 
Luta de massas
Já há mais de uma década que cresce em Portugal uma oposição pública mais ou menos organizada à privatização da água e nas ações de rua nota-se o crescimento da sensibilidade à defesa da água pública, mas lentamente. E esse crescimento associa-se a fatos, iniciativas, debates e ações concretas.

A luta pela água de todos e para todos é uma luta de classe e insere-se na luta geral, porque não há água pública enquanto o poder político estiver subordinado ao poder econômico. Mas é uma luta específica, cujo potencial mobilizador está longe de ser alcançado. 
 
Creio que em simultâneo com as ações concretas, é preciso mais estudo, reflexão e debate, conhecer melhor para transformar... e uma enorme capacidade de contágio dessa vontade de transformação.
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