quinta-feira, 3 de maio de 2018

Desafogo e outras travas

Carlos Eduardo Florence *
Faina de sucateiro desatola quando o sol se alerta e deus boceja. Acontecido, sem registros e saudades, marcou. Dia de sol e faina igualada, destino, tarde caindo em Frontão dos Alabastros, bairro das periferias nos fundo da Baia de Acarampó, vista perto até relativa à Praça da Matriz de São Apalício, subida de quebrar silêncio, pés enfurnados nas desavenças, encarquilhados fôlegos. Cadinho no varal e na ânsia do reboque da rabeira empinada, a carroça destravou as pegas, derrapou ladeira abaixo, até abraçar o poste sobre a calçada invadida, pois o suporte de Itávio atrás não atendeu de espalmar as carências. Correm-se as turbas, azáfamas, Intávio tropeçara na idade e no peito dolorido, amordaçara a saga, sentiu o braço esquerdo amortecer, dor, grito, tombo, queda ao chão pelo raspado corpo. Arrastou a alma antes de desmerecer das carnes por dois metros até a calçada, mas desfaleceu. Atendimentos.

Não houve tempo ou receita, Cadinho esvaziou as tralhas, abodegou os trazidos da faina na beirada da rua, jogou Intávio sobre o carro e seguiu desatino pedindo à gente assustada caminhos de hospital, pronto socorro, milagre. O vento acalentou silvado pelas portas principais do sanatório, levado pelas complacências dos atendentes e o corpo de Intávio se perdeu pelos corredores sumidos dos aléns. Cadinho amoleceu na agonia, refez seus desdéns, desensarilhou a sorte e mais uma vez espreitou a sina vir se enfiando pelos seus desalentos para amaldiçoar o futuro.

Agoniou na sala de espera sabendo que iria ouvir novamente a solidão trazer noticias fins e tristezas. Rodou meia noite no sino da matriz e a prontidão veio de branco na voz de uma enfermeira indiferente dizendo que haviam terminado a autópsia de Intávio Barnécio Alcas que morrera de ataque cardíaco, em virtude adicionada pelo coração dilatado com doença de chagas adquirida na infância. Cadinho voltou a memoria das queimas do seu casebre em Oitão, terra natal, e não sentiu se consolar por ter acabado, nas despedidas, com os barbeiros, como ordens do pai. Finados fins, sem destinos, e por atavismo de desgraça, a Intávio concederam a honra de ser embebido em formal de corpo inteiro. Virou prestimoso exemplar mumificado, depois de esgarçado no peito com as devidas ferramentas de abrir e estirar ferros apropriados usados para ser exibido, desdentado, sem petulâncias, mas intitulado na plaqueta pregada ao polegar do pé para ser lido muito claro – “indigente pelas conformidades - sala de aula de anatomia da faculdade – arrazoados da demonstração - despropósitos da doença de coração chagado adquirido nas desfortunas das catingas e cerrados dos fundões do país”. A Cadinho coube aviso de condolências e, por não ter conhecido da família de Intávio presente, apor cruz de assinatura analfabeta nas anuências das outorgas dos restados do corpo para ser usado pelos estudantes.

Foi como se despediu de Intavio e por direito à tristeza se fez herdeiro do carro das sucatas, do cachorro Liau e das amarguras.

* o autor é economista, blogueiro, escrevinhador, e diretor-executivo da AMA – Associação dos Misturadores de Adubos.
Publicado no https://carloseduardoflorence.blogspot.com.br/

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