segunda-feira, 28 de maio de 2018

E por ser será

Carlos Eduardo Florence *
O sol castigava de manso os passos calmos de Joca no aconchego do sozinho. Acomoda-se para enfiar isca para dourado sabido, que vinha driblando seus critérios de conhecedor das artimanhas dos matreiros. Nascera e fora criado naquelas bandas e margens de rio, acasalou com Rosinha, vizinha dos aconchegos, com os conformes todos dos flertes, das flores e das vergonhas pensadas e das apalpadas, enterrou pai e cuidava da mãe, educou filharada forte e sadia e sabia que seu destino e suas necessidades estavam arribando nas chegadas horas que as águas corridas contavam. Olhou o tempo manso dos temperamentos das corredeiras sabidas aonde se lê os futuros e as intenções dos porvires. Joca chegara da Venda do Cato e seguiu direto para a ceva gorda da curva brava, na esperança de arrematar as pendências com o peixe caprichoso, com quem se havia em teimas há mais dos esquecidos.

Por que pescava na mesma rotina branda e viciada, no mesmo lugar e por tantos janeiros? Antes de se saber gente, acompanhava o pai repondo o jacá de milho na mesma ceva. Ali era o ponto de encontro com seus consigos mais íntimos, das tratativas de conformar as realidades dos passados com esperanças dos futuros. As águas corridas são exatamente a vida, ruminava Joca. Aquelas já passadas, que seguiram destino acabado, deixaram marcas boas e más para preencher um presente no qual se pesca os desejos, as realidades, os valores, as posses, as ambições, os afetos, as raivas e, para não ir mais longe, as imaginações todas que crescem, querendo ou não, nestes pensamentos xucros que fantasiavam as manias. Pretendia criar os destinos, mas as águas encharcavam o futuro nas correntezas por onde restava deixar correr a canoa e remar da proa para não emborcar com as marolas.

Acorda Joca, ponha sentido no rio e na vara solta. Fisgou o dourado, dá linha para que o tranco não arruíne a estorva e arrebente. Ali se forma uma dupla singular, unívoca, em que o jogo é imaginar o próximo lance do adversário. Não é o que cada um quer que conta, mas intento do outro. O dourado, na folga dada à linha, apruma para a quiçassa de tronqueiras aonde Joca sabe o destino. Os desafios empacam num empatado sem volta a espera da iniciativa do desafeto. O sol começa a ficar cansado, boceja e se prepara para puxar as montanhas mais altas sobre si, com medo do sereno, e para dormir mais justo. A conversa entre o peixe e Joca corre pela linha tensa sem se chegar à conclusão dos arremates.

A boca da noite fechou-se e o fisgado, esperto, sabia-se mais manhoso, neste então, do que Joca, que não poderia mais ouvir os seus pensamentos no escuro, tarimbado, abandona-se manso na correnteza e deixa a linha ir se emaranhando pelas taboas despencadas ao acaso. Fincada, era só puxar a linha e arrebentar. Danou-se. Joca, conformado, desestica a luta para findar só no outro sábado. Cortou linha, recolheu tralha. Andar andeja, que a sorte se deu transversa. Tresanda as sanhas nas desavenças da beira do rio e, por último, em caminhando, resta remate de sonhar com os carinhos de Rosinha na prontidão do esperado, depois do abanhado e dos salpicos das águas de cheiro que, pelo menos aos sábados, o destino nunca deixou de provar e prover. Ah! Rosa. Rosinha; assanha que hoje é sábado.

* o autor é economista, blogueiro, escrevinhador, e diretor-executivo da AMA – Associação dos Misturadores de Adubos.
Publicado no https://carloseduardoflorence.blogspot.com.br/

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