quinta-feira, 15 de abril de 2010

“Quem é o representante dos produtores de trigo?"


Richard Jakubaszko
O artigo abaixo foi publicado na edição março/abril/2010 da DBO Agrotecnologia, na série "Marketing da Terra". Mais um, e que adverte sobre a falta de união dos produtores rurais, problema que parece insolúvel.

“Quem é o representante dos produtores de trigo? E o dos produtores de milho, de arroz, feijão e tomate?”.
Quem fez esta impertinente e inquietante pergunta, diante de uma estupefata plateia de produtores e líderes sindicais rurais, no Estado do Paraná, foi o próprio (e então...) ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, em janeiro último. A plateia ficou calada. E ele mesmo respondeu: “Eu, normalmente, não sei quem é. Agora, eu sei quem é o representante dos compradores de trigo, dos exportadores de carne e de soja. É, muitas vezes, um ex-ministro, um ex-embaixador, uma pessoa que faz um lobby extremamente elevado. Mas quem é o representante dos produtores?”. 
Novamente a plateia se calou.

Dá para entender o agora ex-ministro, cumpre seu papel como político, está em plena campanha para se reeleger deputado federal, e coloca-se, frente aos produtores e eleitores do seu estado, como defensor das principais bandeiras da agropecuária. Stephanes desincompatibilizou-se em final de março, e adiantou que alguns pleitos dos produtores, como a revisão do Código Florestal e o fim da dependência dos fertilizantes importados, são também alguns itens de sua disputa no presente momento.
O que se deve perceber é que Stephanes até poderá defender os direitos dos paranaenses, mas como ficam os produtores dos demais estados?

Ora, se o próprio ministro da Agricultura, que seria o principal interlocutor dos produtores, admite que não conhece quem são os representantes dos produtores...
O ex-ministro diagnosticou que os produtores carecem de representatividade em Brasília. Os chamados "líderes", autonomeados representantes do agronegócio, não passam de representantes autonomeados, com interesses políticos e comerciais de outra natureza, que não é o de defender os interesses dos produtores. E nisso se inclui até mesmo a chamada bancada ruralista.

Já escrevemos exaustivamente sobre este assunto, aqui nesta mesma página. Da falta de união entre os produtores, e esse é o “X” do problema.

O ex-ministro diz que os diversos setores do agronegócio devem defender uma agenda comum, e ele tem toda a razão. Arrisca opinar, por exemplo, que mandados de reintegração de posse da Justiça em audiências públicas é inconstitucional. Esclarece que essa agenda comum do agronegócio deve analisar ainda a pesquisa científica aplicada ao desenvolvimento de novas tecnologias de produção para preparar a agricultura para o futuro, e que isso não pode partir só do governo, e é preciso outros investimentos na área para que a pesquisa avance e se torne mais eficiente. 

O ministro-candidato defende que a defesa sanitária (animal e vegetal) seja estratégica para o progresso da agropecuária. “O mundo está cada vez mais exigente e rigoroso em termos de qualidade do produto que vai consumir”. Ele lembrou que as questões sanitárias podem causar prejuízo econômico a um país exportador, citando o caso da febre aftosa no Mato Grosso do Sul, em 2005. “Perdemos vários mercados e, mesmo com a recuperação de alguns deles, ainda não conseguimos abrir outros grandes, como o Japão”, lamentou.

Enfim, existem agendas amplas, para que o agricultor possa melhorar a renda. O ex-ministro diz ainda que “o agricultor brasileiro é eficiente da porteira para dentro, quando se sai pra fora há distâncias enormes para transportar soja com perda de renda por falta de infraestrutura adequada”, apontando como mais um item que pretende defender. Mas não foi direto ao ponto de interesse real do produtor.

Qual é o ponto?
É que, por falta de representatividade, por falta de líderes reais para cada área específica, as questões dos produtores estão sempre sem respostas. Nestas incluem-se o que plantar, ou não plantar, na próxima safra. Quando vender a safra, se parcial ou total. Qual seria o momento de antecipar (ou não) a compra de insumos, de fazer financiamentos para a aquisição de máquinas, se seria melhor adquirir ou arrendar terra pra plantio, entre muitos outros exemplos. Quais reivindicações coletivas devem ser feitas ao Governo Federal, ou aos estaduais.

Os agricultores devem ter consciência de que, enquanto são representados por políticos, ou por líderes autonomeados, nada irão obter para dar segurança na atividade que exercem.

O Brasil tem poucos exemplos de associações de produtores que efetivamente trabalham com agendas de interesse direto do produtor. Já citamos, neste espaço e na DBO Agrotecnologia, o exemplo da UNICA, União Nacional da Indústria Canavieira, como paradigma de eficiência na defesa dos interesses diretos dos seus associados. 
Há alguns raros exemplos, como a Aprosoja – Associação dos Produtores de Soja do Mato Grosso, apesar de sua limitação como entidade regional; existe ainda a Associação dos Produtores de Banana do Norte de Minas Gerais, a Associação dos Produtores de Algodão, a ABBA - Associação dos Bataticultores do Brasil.

Mas cadê as associações de milho, de soja, de tomate, de arroz, de feijão, de trigo? Não é só o ministro que não conhece seus representantes, nós aqui na DBO Agrotecnologia também não conhecemos. E sem isso fica difícil a ajuda aos produtores.
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4 comentários:

  1. Flausino Pereira Justo15 de abril de 2010 às 20:18

    Richard, tá faltando gás pra nós, é verdade que não está de todo ruim, com o preço da soja atual, mas o dólar mata...
    Flausino Pereira Justo

    Comentário do blogueiro: justo por isso, Flausino, tem de haver união, a união faz a força, fica mais fácil enfrentar o mercado com união e representatividade.

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  2. Richard
    Li seu texto que questiona a representatividade das lideranças do setor do agronegócio em âmbito nacional. Concordo em muitos aspectos também.
    Queria contribuir, porque quando falamos em agronegócio, o deputado federal Valdir Colatto, que é presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária no Congresso Nacional, tem intermediado importantes discussões em Brasília. Prova disso é a situação que vivem os produtores de batata-semente, de alho, da suinocultura, da avicultura, da cana-de-açúcar, etc., todos estes que citei (e mais outros), que buscaram apoio da FPA para chegar ao Ministério.
    Muitas vezes o que percebo é que grandes discussões não chegam sequer aos Ministros. Ficam com a equipe técnica dos Ministérios, que agendam e reagendam reuniões. A Associação Brasileira dos Produtores de Batatas (ABBA), por exemplo, está numa situação complicada. Haverá desabastecimento se o MAPA não tomar alguma medidas.
    No mais, adoro e não deixo de ler seus textos. São maravilhosos, tanto em linguagem quanto em temática.
    grande abraço
    Veruska Tasca
    jornalista/SC
    Assessoria de Imprensa Deputado Federal Valdir Colatto
    Presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária no Congresso Nacional
    49 33281516 - 9121 9200

    Comentário do blogueiro:
    Veruska, obrigado pelo carinho de suas palavras. Enfatizo, entretanto, a vital necessidade de os produtores terem seus próprios representantes, via associações próprias, quando poderiam fazer chegar aos ministros suas reivindicações, propostas e soluções de problemas quando estes dependem de ações do governo, ou contra ações distorcidas de mercado. Cada caso é um caso. Reconheço como justa a proposta e o empenho do deputado Valdir Collato (apesar dele representar produtores de SC e, como presidente da FPA, a de abraçar causas nacionais), mas é uma voz isolada. Dentro mesmo da própria FPA existem vozes que são representativas de algumas oligarquias da velha elite do agronegócio, e que são antipáticas ante à opinião pública e da imprensa. Estas vozes autonomeadas é que não podem ser representantes do agronegócio, em minha opinião deveriam ser defenestradas, e isso só poderá acontecer se os produtores tiverem união. Com a união dos produtores eles poderão, junto com o deputado Collato, falar mais alto junto aos ministros, e serem ouvidos e respeitados, e não para as comissões ficarem fazendo reuniões e mais reuniões. O Stephanes tem razão, e essa tem sido minha luta, muitos antes do Stephanes ser minstro da agricultura...

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  3. Richard,

    Entendo perfeitamente o ponto que vocês "cutuca"... mas liderar uma classes no Brasil ainda é visto como tentativa de promoção publica e motivos escusos, assim os bons ficam de fora para para tentar salvar a propria pele!
    Abraços,Mairson

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  4. Mairson,
    lembro a você que outro ponto que sempre destaco é que, além de se associar, ser gregário entre seus iguais, o produtor precisa de profissionalizar, ou seja, montar associações e contratar profissionais para fazer o que tem de ser feito. O próprio Stephanes deu a deixa, que ele declara conhecer os lobystas de empresas e exportadores, que são ex-ministros, ex-deputados, ex-diplomatas, que defendem os interesses dos associados. Nas associações de indústrias é assim, profissionaliza-se a associação, não é um diretor de empresa associada quem comanda a entidade representativa dos produtores. Nas poucas associações de agricultores tenta-se encontrar um líder, mas que não tem vocação para isso.

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