Em um de seus inquietantes paradoxos, Chesterton
compara dois grandes santos da Igreja, para mostrar que o temperamento
antagônico de ambos conduzia a um resultado comum. “São Francisco –
dizia o autor de Ortodoxia – era a montanha, e São Domingos de Gusmão, o
vale, mas, o que é o vale, senão a montanha ao contrário?”
Em termos lógicos, e nisso o pensador católico foi mestre, o côncavo
e o convexo se completam, como as duas partes de uma esfera oca.
Seguindo o mesmo raciocínio, a ascensão e a queda, das pessoas, das
empresas e – com mais propriedade – das nações, são duas categorias que
se integram, no todo histórico. É preciso administrar a ascensão
pensando na queda e ver, na queda, a oportunidade de repensar os
métodos a fim de recuperar a ascensão.
Tudo indica que o Brasil se encontra em ascensão, mas é preciso ver
esse momento com as necessárias cautelas. O mundo passa por um desses
espasmos históricos bem conhecidos no passado. A Europa está atônita,
daí a sua tentativa de, na demonização dos paises muçulmanos, de cujo
petróleo depende, criar um inimigo externo que una os seus países,
historicamente adversários. Mas, ainda assim, a crise econômica
promovida pela licença de caça que seus governos deram aos bancos,
continua a dividi-los.
Ainda que 25 países tenham concordado com a política de arrocho
fiscal determinada pela Alemanha, com o apoio da França, a Inglaterra e
a Tchecoslováquia negaram sua assinatura. Os países que engoliram a
pílula, começam a cuspi-la de volta, conforme a reação de Rajoy, da
Espanha, solicitando flexibilidade na adoção das medidas recessivas,
qualquer sinal de solidariedade do grupo. O primeiro ministro anunciou
em Bruxelas que só pode prometer a redução do déficit público a 5,8 do
PIB. E já surgem divergências entre a Alemanha e o Banco Central
Europeu.
A Segunda Guerra Mundial foi um excelente negócio para os Estados
Unidos, que dela emergiram como a grande potência hegemônica. Agora, no
entanto, alguns dos paises que dela participaram e que contribuíram
para a vitória com sangue, começam a sair do círculo de giz, e a
constituir uma nova realidade planetária. Muitos desses países, como a
Índia e a China, foram impiedosamente colonizados pela Europa, até
meados do século 20. O Brasil, a Rússia, a Índia, a China e a África
do Sul constituem novo pólo de poder, que está atraindo outras nações
africanas e asiáticas.
Não se trata, ainda, de uma aliança política. São países bem
diferentes, com visões de mundo claramente distintas, mas conscientes
de que, se souberem interagir de forma pragmática – no respeito mútuo
aos mandamentos de autodeterminação – serão capazes de se defenderem
dos projetos de novo domínio anglo-saxão sobre a humanidade.
Durante a Guerra Fria, o pretexto para a intervenção dos Estados
Unidos e da Grã Bretanha nos países periféricos era o do combate ao
comunismo. Qualquer ação desses países, em sua política interna, que
significasse a adoção de medidas de desenvolvimento autônomo, como a
reforma agrária, a encampação de empresas estrangeiras que ofereciam
serviço público de péssima qualidade, e relações comerciais com os
paises socialistas, significava uma traição ao sistema ocidental,
“democrático” e “cristão”. Assim, os princípios de autodeterminação dos
povos e de não intervenção nos assuntos internos dos Estados foram
abandonados, embora a retórica das Nações Unidas continuasse a
proclamá-los.
Sendo assim, a América Latina – considerado território de caça de
Washington – foi invadida por tropas americanas ou por mercenários
armados pelos Estados Unidos diversas vezes, isso sem falar na ação
ostensiva e clandestina de seus agentes, na preparação dos golpes
militares violentos, como ocorreu no Brasil, no Chile, na Argentina,
entre outros países.
O Brasil vem sendo elogiado pelos seus êxitos na criação de um
grande mercado interno, como resultado da política social e do
incentivo às atividades econômicas de Lula e Dilma. Ao mesmo tempo, a
partir de 1985, conseguimos manter o sistema democrático, com a
realização das eleições conforme o calendário, e a alternância no
governo de partidos e de pessoas. É uma hora carregada de perigos. Os
Estados Unidos, que se encontram em crise, podem cair na velha sedução
de usar dos recursos de que ainda dispõem, a fim de cortar o nosso
caminho, como fizeram em 1954, no governo Vargas, e em 1964, com Jango.
Não podemos permitir que a luta partidária, legítima e necessária, se
deixe influir pelos interesses externos.
Sendo assim, o manifesto dos militares contra o governo tem o efeito
danoso de estimular os nossos adversários externos, que nele começam a
ver o retorno aos confrontos entre civis e militares do passado, dos
quais eles souberam aproveitar-se. O documento já está sendo usado em
São Paulo contra a candidatura do PT.
Qualquer movimento que nos divida, como brasileiros, diante das
ameaças estrangeiras, deve ser repudiado pelo nosso sentimento de
pátria, comum aos civis e militares.
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