Eduardo Leduc *
A crescente demanda, o desperdício e o mau aproveitamento dos alimentos formam um paradigma de difícil resolução para se garantir uma segurança alimentar adequada para a população mundial. De um lado, temos 870 milhões de pessoas sem acesso às quantidades mínimas de alimentação. De outro, 1,5 bilhão com sobrepeso ou obesos no mundo. Até 2050, o mundo precisa aumentar em 60% a produção agrícola, mas hoje perdemos por volta de 50% do alimento produzido. Os dados são da Food Agriculture Organization (FAO) da Organização das Nações Unidas (ONU). Um recente estudo do Instituto Akatu mostra que no Brasil, depois que os agricultores trabalham intensamente para produzir alimentos, perdemos 44% da produção pela falta de eficiência e educação fora da porteira. Se ainda adicionarmos mais 15% a 30% de perdas devido ao ataque de pragas e doenças durante o processo de produção, podemos concluir que o que mais precisamos fazer para garantir a segurança alimentar é evitar as perdas e os desperdícios.
Os dados acima demonstram que erramos em focar no pilar ambiental como ponto crucial da sustentabilidade na agricultura. Atualmente tornou-se evidente que temos um problema social muito mais grave e que necessita de investimentos consistentes em acesso a alimentos, redução de perdas e educação alimentar. Isso fica evidente ao observarmos o quanto perdemos de alimentos no transporte, no armazenamento, na indústria de processamento, nos supermercados, restaurantes e dentro de nossas próprias cozinhas e geladeiras.
Pensando no pilar econômico da segurança alimentar, no mundo temos 2,5 bilhões de pessoas que sofrem de deficiência de nutrientes. De acordo também com a FAO, o custo dessa deficiência representa 5% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial ou US$ 3,5 trilhões. Crianças com deficiência nutricional apresentam problemas de aprendizagem crônicos, o que limita sua contribuição para a sociedade na fase adulta. Ainda não se tem dados precisos do custo social da obesidade adulta e infantil, porém alguns estudos já apontam também para 5% do PIB devido aos graves problemas de saúde, dificuldade no trabalho e de mobilidade. É assustador observar que em países emergentes e com problemas sociais e econômicos graves como no México e na própria China, a obesidade infantil evolui de forma acelerada mostrando a urgência de investimentos em educação ou reeducação alimentar, uma vez que o problema não é mais o acesso, e sim, o tipo ou excesso de consumo.
Se levarmos em conta que em 2050 seremos 9,3 bilhões de pessoas no planeta, com mais longevidade, urbanização, maior poder aquisitivo e mudanças de hábitos alimentares, isso impactará consideravelmente o agronegócio. De acordo com um estudo de 2012 do International Prevention Research Institute (iPRI), haverá um aumento de cerca de 160% no consumo de carne na Ásia comparando os dados de 2010 versus 2050. Os grãos produzidos no Brasil alimentarão grande parte dos suínos e aves que os asiáticos vão consumir e aumentará também o consumo mundial de fibras e cereais.
Os agricultores brasileiros estão, a cada ano, produzindo alimentos em maior quantidade e qualidade e o incremento de produtividade foi muito superior ao aumento da área plantada. Embora geneticamente as sementes atuais apresentem maior potencial de produtividade do que os alcançados no momento, as grandes culturas mostram dificuldade em continuar aumentando a produtividade na mesma velocidade devido aos fatores externos não controlados pelo agricultor.
Para que tenhamos maior disponibilidade e segurança alimentar nas próximas décadas será fundamental focarmos também na eficiência “fora da porteira”, bem como fomentar o uso de tecnologia pelos pequenos e médios produtores, que ainda produzem muito pouco por unidade de área por falta de acesso a tecnologia e financiamento. Este cenário os torna ainda menos competitivos gerando novamente um problema social. Hoje fica claro que a pequena propriedade só será sustentável se tiver alta produtividade e qualidade diferenciada, o que também é um paradigma aos que imaginavam que o pequeno produtor deveria se manter alienado da realidade e da tecnologia para produzir de forma “romântica”, como se fazia há 50 anos. Aqui o conhecimento técnico e financeiro do cooperativismo é a forma mais viável e pragmática de acelerar este processo.
Outro ponto relevante para reflexão é um estudo do NOAA - National Oceanic and Atmospheric Administration - United States Department of Commerce, que observa o aumento da frequência de adversidades climáticas, como o El Niño. Isso requer ainda maior investimento em pesquisa e inovação para não diminuir a produtividade agrícola e torna o cenário mais desafiador do que temos hoje em dia. Isto significa que precisaremos de uma agricultura e agricultores mais resilientes para enfrentar os problemas climáticos cada vez frequentes. O seguro agrícola, por exemplo, torna-se uma ferramenta indispensável para a estabilidade econômica do produtor e para uma oferta menos oscilante de alimentos e seus preços.
Com todo este cenário, o Brasil passa a ter um papel estratégico ainda maior já que as terras verdes e amarelas serão responsáveis por 40% dos 20% adicionais de alimento que o mundo deverá produzir, segundo a FAO, até 2050.
Porém, isto desperta outro paradigma pouco abordado na segurança alimentar dos brasileiros que é que o fato do agricultor depender quase que totalmente de insumos importados, pois não houve nenhuma preocupação em atrair ou estimular nossa indústria a investir na produção de insumos agrícolas localmente e sim um estímulo à importação e investimentos fora do País, o que contribui para a nossa dependência e insegurança alimentar.
O ponto positivo de todas estas questões e paradigmas é que no caso do Brasil, todos os temas abordados acima têm soluções e dependem quase que exclusivamente das decisões dos próprios brasileiros para solucioná-los. Basta um plano de 10 anos feito de forma técnica e pragmática com foco e competência na sua implementação. Quando a eleição se aproxima é um ótimo momento para se cobrar dos que prometeram, garantindo assim que estes temas estejam na prioridade do novo governo.
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