Pensar foi das minhas
distrações a preferida. Desde menino, eu consumia todas as horas
vagas, depois do futebol e das brincadeiras com barro, imaginando
possibilidades, criando mundos próprios, idealizando a vida. Ontem,
acompanhei a entrevista de um filósofo iugoslavo, o Zizek. Sujeito
temperamental, mais pra criativo de anúncios do que para pensador.
Um atrevido cujo herói é Hegel. Para ele, Hegel foi o único que
pensou o mundo como ele é e não como deveria ser. Acho que a
Iugoslávia tem a ver com isto. Num país tão dividido e complicado,
com tantas dores e crimes políticos, a idealização não é
possível. Só o pragmatismo é capaz de salvar vidas e encontrar
caminhos. Hegel é pragmático.
A despeito de seu
atrevimento, sua vontade de independência intelectual, o Zizek
comete o mesmo desvio dos demais intelectuais. Não explica o mundo
com palavras suas, mas com a dos outros. Precisa citar frases
marcantes de gente notável para afirmar a sua verdade. A verdade não
é encontrada na coerência do próprio discurso, fruto de
experiência própria, mas no testemunho de terceiros, na referência
a pensadores respeitáveis. Por isto, para se entender o discurso do
Zizek é preciso conhecer o pensamento e a obra intelectual dos
pensadores citados. Impossível.
Impossível porque temos
à nossa disposição centenas de pensadores e milhões de páginas
que registram as ideias que eles trabalharam e os mundos idealizados.
Nenhuma mente é capaz de ler o acervo que eles nos deixaram, menos
possível ainda é reter as discussões propostas, os conceitos
trabalhados. A despeito disto, os intelectuais citam uma dúzia deles
numa entrevista, como se tivéssemos a memória do mundo e a
capacidade de compreender todas as razões já discutidas.
Desde pequeno, quando eu
ia ao médico, o Dr Valentim, e ficava aguardando na sala de espera,
via que o doutor pesquisava os sintomas dos pacientes em grossos
livros de medicina. Às vezes ele pedia para minha mãe, que era a
auxiliar dele, pegar outro volume. O paciente aguardava cerca de
cinco ou dez minutos e ele então explicava o seu parecer e o que
tinha pesquisado para ministrar tratamento. Agora que minha filha é
médica, é a mesma coisa. Em vários casos, ela pesquisa sintomas,
doenças e tratamentos nos livros e publicações científicas da
medicina. Também consulta colegas especializados para se aprofundar
no assunto e poder ajudar o paciente. O médico age assim porque é
responsável pela vida do paciente e reconhece que é limitado, que
não tem todos os compêndios de medicina na memória, pois são
milhares e são modificados pelas novas descobertas a cada dia.
A
diferença é que a medicina é pragmática e o discurso intelectual
é metafísico. Na medicina, a teoria tem que se encaixar com a
prática. É a prática que muda a teoria. A medicina é uma ciência
experimental. Se o medicamento não curar o paciente, muda-se o
medicamento. Nas discussões filosóficas e políticas, se o
interlocutor não aceitar o argumento ele é que é burro. Na melhor
das hipóteses, não teve acesso, não se aprofundou na questão,
está condicionado, é preconceituoso. O Zizek, para expor sua visão
de mundo, condenou todos, exceto Hegel. Esqueceu que para que o mundo
tivesse Hegel foi preciso ter os anteriores. A civilização é uma
construção. As ideias de uma época são próprias dela, são
frutos das circunstâncias geográficas, econômicas, culturais e
políticas, entre outras. As ideias de um homem são frutos de sua
história, das circunstâncias que o cercaram, do que viveu, sofreu,
aprendeu. Não dá para considerar todas as ideias do passado. É
preciso conhecer o contexto em que elas vicejaram e nós temos apenas
uma vaga noção da história passada. Os historiadores eram
intelectuais que trabalhavam com o que havia nos arquivos oficiais.
Mesmo agora, temos dificuldade de analisar o que de fato está
acontecendo. Não temos uma luz clara e definitiva. O pensamento não
é pragmático, nunca será. Somos regidos pela emoção. Medicina e
Política são atividades distintas. Medicina é ciência. Política
é escolha!
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