Nos últimos dias li várias referências em redes sociais à
monocultura da soja no Brasil, especialmente, é claro, no Brasil
Central, nas novas fronteiras agrícolas. Algumas vieram de pessoas
com real preocupação com o país, a economia, a natureza, a vida
das pessoas. Outras, porém, foram apenas repetições de um discurso
atrasado e desvinculado da realidade.
O termo monocultura em sua acepção clássica, e que é a forma como
é usado hoje pela maioria, de forma distorcida e com fortíssimo
viés político, não tem aplicação na agricultura moderna,
especialmente na que se faz no Brasil.
Monoculturas...
Peguemos uma estrada que corte os grandes sertões brasileiros e
veremos, entre outubro e abril, soja. Soja a perder de vista, por
dezenas, por centenas de quilômetros. Mas, uma observação mais
atenta mostrará milharais, tão imensos quanto as lavouras de soja.
Também aparecerão, conforme a região, as lavouras de algodão. Em
outros meses poderemos ver vastos campos com um capim verde, bonito,
de grande e rápido crescimento, o milheto. Ou os milharais da
chamada safrinha, uma segunda safra na mesma área, na mesma estação.
Muitas pessoas se
referem a tudo isso como monocultura.
Vamos sair dos sertões e adentrar uma grande cidade, uma metrópole,
uma megalópole (a China projeta criar uma para abrigar 135 milhões
de pessoas... pessoas?). Cruzando qualquer um desses monstros criados
pelo crescimento da população, pelo progresso (?), pelo
desenvolvimento (?), vamos enxergar em sucessão, até rápida,
grandes áreas tomadas por Extras, Walmarts, Carrefours, shoppings...
Eu digo que isso é
uma monocultura – monocultura comercial.
O que vemos,
entretanto, tem o nome de escala.
Em 1986 ou começo
de 87, fiz parte de um grupo de gerentes e diretores da companhia em
que trabalhava, uma multinacional americana onde aprendi muito,
realmente aprendi, que assistiu à palestra de um dos diretores da
Matriz. Ele disse algo que estarreceu a todos nós: até o ano 2000,
das 12 maiores companhias do setor, todas elas gigantes, todas
imensas, monstruosamente grandes, somente quatro ou cinco estariam
vivas. As outras, assim como muitas mais de “menor” porte (mas
ainda assim enormes), teriam sido compradas ou absorvidas em fusões
pelas 4 ou 5 companhias sobreviventes.
Esse processo de concentração deu-se em todas as áreas. A razão
para isso está na necessidade de ganhos de escala cada vez maiores.
Por exigência do mercado.
Laboratórios
farmacêuticos, por exemplo. Chegou um momento em que o custo de R&D
(pesquisa e desenvolvimento) necessário para lançar um medicamento
chegou a tal valor que somente empresas gigantes conseguem
absorve-los sem quebrar. Porque as exigências legais, começando
pelas que são impostas pela FDA e que são copiadas ou ampliadas por
suas congêneres ao redor do mundo, ficaram muito grandes. Ótimo
para nós, consumidores, que recebemos novos medicamentos com índices
de segurança nunca antes atingidos. O que a maioria ignora é que
para cada lançamento realizado, dezenas de outros ficaram para trás,
foram abandonados. Mas seus custos repercutem e impactam severamente
todo novo produto que chega ao mercado. Então, não adianta
xingarmos a empresa X ou Y porque seu novo e maravilhoso produto
custa os olhos da cara. Isso ocorre porque as contas feitas pelos
outros produtos que não deram certo e por ele mesmo, o que chegou ao
mercado, precisam ser pagas.
Ué, e a soja com
isso, essa “monocultura” imensa?
Soja, cana, milho,
algodão, café, leite, carne, frangos...
O mercado somos nós.
Ah, sim, não se
iludam: o “mercado” não é um alien. Nada disso, o
mercado somos nós.
Sete bilhões e
trezentos e tantos milhões de almas, se já não chegamos aos
quatrocentos milhões.
Imaginem se o povo
da cidade de São Paulo, por exemplo, tivesse que ser abastecido
apenas por pequenos armazéns, como era antigamente?
Teríamos
necessidade de dezenas de milhares dessas pequenas unidades de
distribuição de alimentos e produtos básicos diversos.
Haveria necessidade de uma frota gigantesca de caminhões, 24 horas
por dia nas ruas, entregando 50 quilos de arroz aqui, 40 de açúcar
ali, 30 de feijão acolá... Fora outras necessidades e operações.
Imaginem, também,
obrigatoriamente, o custo ambiental dessas operações...
Em meados da década de 70, um estudo americano mostrou que, somente
nos Estados Unidos, o número de ligações existentes precisaria de
70 milhões – setenta milhões – de operadoras. Operadoras eram
moças e senhoras que ficavam horas em entrepostos telefônicos. Você
tirava o seu aparelho do gancho, ela atendia e você pedia para ela
fazer a ligação. Mais tarde, com a evolução, as ligações locais
passaram a ser feitas de aparelho para aparelho, mas para outras
cidades só se falava através das operadoras. Você ligava e pedia
um interurbano. Marília/São Paulo, por exemplo, podia demorar de
uma a três horas. Legal, né?
Agora, vejam que
curioso: em 1º de julho de 1975, a população americana era de
215,97 milhões de habitantes. Arredondemos para 216 milhões. Sem o
advento das operações automáticas (pré-computadores) na
telefonia, 32,4% da população americana trabalharia completando
ligações. Ou, haveria um americano trabalhando para fazer as
ligações para os outros dois.
O advento do PBX e
depois do PABX foi um grande avanço para a humanidade.
Vocês acham que há diferença entre essa história da telefonia e a
história da distribuição de alimentos e outros produtos para as
pessoas?
Há muito tempo somos seres dependentes de enormes escalas de
produção de tudo. De alimentos a produtos de tecnologia de ponta,
como o S6 ou o Iphone 6. Meu “velho” Galaxy S4 tem mais
capacidade de memória e operações que todo o sistema
computadorizado que levou a Apollo XI à Lua. Para chegar a isso
houve necessidade de milhões de cérebros dedicados a pesquisar e
desenvolver essas maravilhosas traquitanas. Em grande escala. E
comendo e bebendo e vivendo bem para gerar tanta coisa.
Para que a rapaziada
faça algo que chamam de “arte” pichando muros e paredes, há
necessidade de gente produzindo o que eles comem.
Porque pichadores, músicos, pintores, escritores, assim como
engenheiros, médicos, advogados, metalúrgicos, escriturários,
professores, enfim, toda a vasta gama de pessoas que vivem e
trabalham nos centros urbanos de qualquer tamanho, não produzem
alimentos.
Porque não sabem.
Porque não têm
tempo.
Porque não têm a
vontade e a capacidade e...
Porque não têm a
necessidade.
Ou querem.
Precisar e querer...
São coisas distintas.
O querer só se
realiza em sociedades livres.
A produção de soja só se torna efetiva e com custos razoáveis se
praticada em larga escala. Quanto maior a escala, menor o custo,
menor o preço de tudo para o consumidor final.
Troque soja por
milho, algodão, cana, boi, vaca, frango, alface, cenoura... Dá na
mesma.
Então, não há a menor correção em chamar de monocultura aos
vastos cultivos de grãos que vemos nos cerrados. Ou de arroz, nas
planícies inundáveis do Rio Grande do Sul. Ou de café, nos
cerrados altos de Minas Gerais.
É triste, eu não
gosto, mas não há como produzir carne de boi, frango ou porco sem
as criações intensivas, confinadas.
Exceto coisas e serviços para nichos de mercado. Nichos de
mercado... São, praticamente, sinônimos de mercados com alto poder
aquisitivo. São mercados pequenos, jamais de massa.
A produção em grande escala é o preço que se paga para atender à
demanda dos bilhões de humanos igualmente “confinados” em
aglomerados urbanos.
* o autor é produtor de leite em Santa Rita do Passa Quatro (SP), publicitário, empresário de vídeos, e encontra tempo para ser blogueiro ativo sobre marketing futebolístico.
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