domingo, 11 de dezembro de 2016
Codinome urubu
Rogério Arioli Silva *
Fazer piada com situação embaraçosa e degradante é característica brasileira. Pode ser até passível de crítica, em nome do politicamente correto, entretanto serve, em último caso, como lenitivo da renitente dor que afeta nossa sociedade. Não há como deixar de rir-se dos codinomes utilizados pelos delatores da Odebrecht ao rotularem os clientes das propinas recebidas. É uma demonstração inequívoca de que a presença de espírito se sobrepõe a qualquer resíduo de moral que ainda resista em permanecer na incestuosa relação entre o público e o privado nacionais.
As últimas revelações da Lava-Jato, além de macular a imagem de muitos políticos que até ontem se mostravam intemeratos, também arranhou sua autoestima, ao destacar características depreciativas associadas aos seus nomes ou ao seu tipo físico. Logo aqueles senhores, que se mostram tão preocupados com sua aparência física, dentro de seus ternos de primeira e sua moral de segunda. De suas cabeleiras então nem se fala. Cuidadas com adequado esmero, mesmo quando implantadas artificialmente. Tivessem eles preocupação com os orçamentos como se preocupam com suas melenas e o país estaria numa situação muito mais confortável financeiramente.
Dos codinomes divulgados, alguns são óbvios, outros extremamente hilários. Gim Argello foi mudado para “Campari” e Jucá para “Caju” o que demonstra que nem sempre aqueles que batizam encontram-se inspirados. Entretanto, chamar o Eduardo Cunha de “Caranguejo” é ser muito observador. Eu sempre procurei associar aquela caminhada esquisita e desarmônica com algum animal, mas confesso que nunca consegui. O impecável e radiante cabelo branco rendeu ao Moreira Franco o codinome “Angorá”. Essa raça de gatos tem como característica secundária ser muito útil ao seu dono, além de grande observador.
Heráclito Fortes, também conhecido como “Boca-mole”, seria muito fácil de ser desmascarado, pois não há como não relacionar os dois, nome e codinome. Já Agripino Maia também seria óbvio pela proximidade do nome, embora ele pareça mesmo estar “Gripado” quando fala. Eunício Oliveira, imberbe e com aquele cabelão todo preto, só poderia mesmo ser o “Índio”. Rotular o Francisco Dornelles de “Velhinho” foi até uma forma respeitosa de chamá-lo. Quem não lembra a música do Doutor Ulisses na campanha Presidencial de 88 (Bote fé no velhinho, o velhinho é demais...)?
Mais chocante e deselegante foi referir-se à Lídice da Mata como “Feia”. Isso não se faz em nenhuma circunstância, reza a cartilha da boa convivência. Mesmo porque feio ou bonito são conceitos abstratos adaptáveis ao gosto de cada um. Foi o grande pecado dos propinadores para com seus propinados. Também não se pode esquecer-se do apelativo “Decrépito” no qual se referiam ao Paes Landim. Desde quando velhice é sinônimo depreciativo? Só pode ser para quem tem conceitos tortos e eivados de preconceitos, como estes senhores devem ter.
Cazuza quando compôs “Codinome Beija-flor” falou em segredos de liquidificador sussurrados numa orelha fria. Acho que ele sabia de alguma coisa. Os sussurros advindos de Brasília estão a moer reputações e histórias, assim como os liquidificadores costumam fazer. As orelhas frias, no entanto, bem poderiam ser modificadas para quentes, pois é assim que hoje se apresentam os órgãos daqueles que não tiveram o mínimo de decência na sua atuação parlamentar. Também o “Beija-Flor” não se enquadra nos atuais fatos. Seria melhor o Urubu, ave agourenta e ávida por abocanhar uma parte da carniça putrefata em que se transformou a política brasileira.
* o autor é engenheiro agrônomo e produtor rural no MT
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