terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

Paralelas desavenças

Carlos Eduardo Florence 
Os primeiros meninos chegadores, confiantes, seguros como sempre, alegria empinada ao infinito, tal papagaio em vento aberto, presos ao irrepreensível objetivo, sem preconceitos de herança, de criação ou de credo, conquistando a esmo o fim dos desabafos, tudo um pouco insosso. E por ai se foi ao fundo, em pedaços sortidos, uma sincronia sem preconceitos, rico de subjetividades e de saudades, invadindo a consciência, confusa, mas amiga. Só assim fugia-se da insuportável rotina. Mãos a obra, foi a palavra de ordem imposta pelos criadores, em forma de arco íris envolto em saudade, cuidadosamente desdobrado e retirado da tristeza preterida.

Não existia possibilidade de retorno. A criançada se pôs em brios para enfrentar o imprevisível. O espaço aberto para a individualidade se fechara no passado, sem memória, abrindo caminho para a rotina, com brisas transparentes, espalhadas, sem luxúria, sem remorso e muito menos sem sacrifícios ou pecados. Pé ante pé, borboletas exibidas, peixes sem angústia e calandras calhordas, calando atoa o cacofônico caído, se articulavam em movimentos rítmicos, confabulando sobre a absoluta certeza de que o futuro não poderia oferecer mais do que aquilo que fora semeado ao léu. Cálculos inúteis e probabilidades dispensáveis destronavam os pretensiosos valores alienados das previsões.

Antes do amanhecer ouviu-se o canto, por encanto, mas sem canto. No oposto, os menores alegres se solidarizavam com a algaravia das sintonias dos poucos recursos sonoros disponibilizados, que caminhavam para muito além do limite aberto pela permanente saudade de sempre. Entre as desgraças, rapidamente recolhidas, pois eram dispensáveis e inúteis e um solitário pé de arruda, a razão, insuspeita, como sempre, colocou-se favorável ao inevitável e, desta forma, o risco de um novo erro ficou de prontidão para cumprir ordens do destino. A dúvida incumbiu-se de tomar conta da situação e conseguiu impor ordem, como se houvera uma plenária sem maiores consequências. Nada se concluíra sobre o bipedismo, se, fruto das conjecturas e hipóteses de um processo histórico, não provado, ou de uma evolução revolucionária da espécie, que pleiteava o azul ser o som preferido para as demências mais aprazíveis. Nada disto tornou-se objetivo, facilitando as discussões finais claras sobre a regra três ou sexo coletivo. Com isto definido, todos ficaram satisfeitos com as explicações prestadas.

Em não havendo mais devaneios, a sinfonia suave, embora um pouco para o grotesco, foi poupada da dúvida, que, em transito e em transe, marchava a passos lagos. Não coube comentários sarcásticos outros sobre o renascimento, antes de encerrar-se o ritual, nada macabro, daquele cotidiano comum. Atohá encerrou aos irmãos de sangue presentes, a saudação cerimoniosa aos deuses afáveis à loucura.

* o autor é economista, blogueiro, escrevinhador, e diretor-executivo da AMA - Associação dos Misturadores de Adubos.

Publicado em http://carloseduardoflorence.blogspot.com.br/
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