segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

Doze derradeiras e pelo amor de Deus.

Carlos Eduardo Florence *
Nem poderia ser tanto e assim pelas rebordas das ameaças imbricadas nos desconformes dos meus conflitos passados, entravados, nem desdigo, confesso, podes crer, nebulosos e até desfigurando com o que restou de lembranças velhacas e envelhecidas. Por fim se deram a dar, repito, pois assim conto por comedimentos da índole acanalhada, vagante nas subserviências dos medos. Tudo nas cantilenas foram nos intervalos de umas metáforas atrevidas, geralmente por coincidirem aos se dando pelos domingos, dias estes de vadiagens, às vezes das euforias, para alguns meditações e arrependimentos, muito comumente dos embriagados em fés ou alcoólicas.

Deram-se quase assim como desponto os fatos, pois a cabeça minha das ideias antigas já se foi esgarçando nas descomposturas. Coisas das imensidões e dos inexplicáveis, mas dos homens, como eu, que me nasci assim sem proveito mor e me desdigo, correto, infelizmente. Retorno pelas tangentes agora, amesmado de porventura nenhuma que sobrasse sem não revelar, entristecendo ainda, antes de se inverterem as ingratidões e apadrinharem as insensatezes como é de hábito. Não duvide ainda, nem se vá sem fim terminado, pois explico melhorado nos devidos, pelos provisórios sequenciados, quando a mente aprumar mais apurando como correto tem de ser o justo.

A não serem mais do que seis provérbios e uma nostalgia, como gostava de agadanhar na prosa meu mestre de viola e xaxado, querido Esteban Rovario, não cri, mas foi assim que veio o contexto claro, tanto que senti no direito, melhor, na obrigação, de remoer o inconsciente e provocar os primeiros delírios em decibéis menores que sempre me sabem bem. Se deu, belo, um sol manso e cansado começou a se desfazer em sendo muito por bem miúdo e preguiçoso, lagarteado, pois o próprio, por isto, se coubesse no devaneio alimentado no ego desmereceria a expectativa visto que não caberia contraditório ou retruco, sequer contrariantes da desdita fatalidade.


Mas, sinceramente, preferiu o destino postergar os detalhes e espreitar de longe o meu sofrimento. Neste topete tumultuário, enquanto ainda as sombras se estendiam procurando subir pelas paredes e escadas dos casarios antigos e indiferentes pedindo solitude, vielas saudosas da minha querida Vila dos Trançadeiros das Boiadas, e que por ali estes desdéns do que relembro se deram por forem ou seriam. Nem desatino o correto. Sem menos desarrazoados outros, diferençados a maioria, instigo e palavreio.

Recomponho e garanto para os determinantes não extrapolarem desmedidos como os aléns comandam. Desconfiei que não estivesse nos meus melhores dias de lucidez, mas no repique das badaladas chorando saborosas, por trás do infinito, indiferente, mas elegante, com todo o direito de se fazer poente, trouxe de bem longe à noite para derramar igualada nas imensidões do nada. Os sinos por transigência e método impuseram longe, nos escaninhos do imaginário e na escuridão a meditação preferiu embriagar, carinhosa, minha porventura.


Era eu ainda, naqueles dias em que se sucedendo foram como indicavam as bruxadas, uma paranoia delicada e incipiente a bem dizer diminutiva e pueril. Depois piorou de piorar. Tanto assim que desapaziguado de freios e rebarbas, como potro inteiro de castração não tida, não conseguira eu recolher uma migalha sequer dos acontecidos rodeando. A tais se digam em proventos, nestes torpores e desejos, Deus até abençoou o que sobrara do horizonte ainda em grenás e espargiu restolhos de melancolias aprendizes a ponto de se perderem como as solidões só veneram. Merecido, complacente e nutrido de milagres e perdões, se acomodou nestes seus esplendores próprios, que criou o Senhor só para Si, neles se aconchegar em bemóis e espairecer como muito Lhe cativava.

No entrecho nem desvacilei de aceitamento da esquizofrenia me retorcendo em rebarbas confusas dos carnais desejos e conjurados vis. Era domingo, lembro-me e revigoro no retrocesso. Vagarento, inseguro, como sempre, o meu depois atritado em conjecturas e indestinados porvirens. Habitual, veio palpiteiro ele, meu pensamento, meu, conversar com os anseios, meus, e me deixar escolher indiferente entre a desesperança ou a depressão. Coisa dos resquícios da insânia sadia, com que coabito, desde aqueles desmontantes até hoje, nos cotidianos da semana do mês inteirado, para nos finados visitar os ausentes idos e descarnados, realimentando afinidades, insolvências e tristuras.


Apesar deste cenário internado do comigo mesmo, Leizinha irrompeu radiante, cruzou por meus desejos, como sempre sim, para provocar as demais moçoilas outras beliscando suas invejas e andejos pela praça anoitando. A cena se repetiu como de outros antanhos tantos, melindrosos, entre o silêncio característico de uma metamorfose gravida, simplesmente, em sustenido como preferem os menestréis, por entre os bancos do jardim, cruzou inelutável e altaneira, confiante, resvalando o chafariz abismado pela beleza indiferente dela. Com tudo isto enfeitou o subjetivo, vestia azul carnal e sensualidade, insinuava, arrogante, os seios mimosos para permitir-me transcender beijá-los, era, sem até querer ser tanto, um sonhado ser como só poderia ser, conforme cativava em sendo, pois jamais deixaria deixar de ser. Era sim Leizinha, meus pecados, meu amor, ficção ou gerúndio?

Tenho certeza absoluta que o banco mais antigo da praça, a amendoeira gigante, as paredes da matriz, tanto como o escuro do infinito, engendravam, lacônicos e cínicos, artimanhas nas suas sôfregas provocações. Intentavam abscondê-la em tramoias das minhas vistas, intenções, prazer e pureza. Tenho certeza, era domingo. Tal se dando, ela se desfazendo por meandros seus, senti o chafariz soberbo, eufórico, exibir suas lágrimas ao jardim cabisbaixado no silêncio, enquanto as crianças piqueteavam esconde-esconde nas árvores, nas pernas tresandantes de inutilidades, pecados e destinos.


Do coreto o maestro regia as horas em que as nuvens deveriam esconder a lua curiosa, orientar o pouso das maritacas, saudar os namorados, apaziguar os enfermos, enfeitar a tristeza. Também tanto, entre as mãos afetivas dos namorados e alegrias se davam bater pique descontraídos as crianças, por elas mesmas libertas de remorsos, sumidiços, como brisa irresponsável e morosa preenchendo as solidões, espreitando, os pequenos, sobejando sorrisos, olhares peraltas, festa, aleluia, peguei você, não (!), pique.

Pelos contrários, caminhava solitária, mas disponível, uma desobediência domingueira querendo desmerecer os sofrimentos, as angustias, até os ténues prometidos descumpridos, que a semana escondera. Particularmente eu não me servi da recalcitrância por medo ou respeito, mas me contive no sozinho procurando encontrar sobre aquele nada pairando no conjunto, que não me interessava digo, a figura única pela qual ali fora, Leizinha, meu sonho, minha sina. No desfazer dos motivos, subiu entre as solidões e desejos restantes, um sabor acre-doce de finitude e nostalgia.


No intermeio mesmavam os proventos habituados de sempre; finda reza, Monsenhor Orcólio abençoou todos em si, nos seus partam em paz desta santa casa do Senhor, pois, dando-se a cada um e aos demais, inclusive, portanto, se deram deixando irem embora ao léu, expurgados dos pecados trazidos e se seguiram eufóricos, mas preventivos e purificados, procurando suas consolações e esperanças dominicais até as próximas contravenções. Monsenhor, muito convicto e arraigado dos seus dotes promissores regenerativos das almas puras, conhecendo seu bom rebanho, acalantou seguro na reincidência pecadora natural e insinuou ainda, no entusiasmo crédulo, de cada um e, portanto, em todos e em tanto pecadilhos inovados se porvirem, em semanais retornos, para os arrependimentos bons voltarem e a apostólica romana rejuvenescer sempre. Muitas felicidades se realizariam nas alegrias da vida, para nos domingos serem abrandadas nas cordiais confissões declaradas, perdoadas e comungadas.

Lembro-me agora, desaforados anos corridos, muito bem retidos na memória, que foi exatamente neste sentido pragmático que embalei os primeiros devaneios e fantasias, por Leisinha, antes de me arvorar distante de seu sorriso como me ordenava à timidez de sonhar em sem permissão e vão. Do ombro alvissareiro do poste amigo e carinhoso, encostando minha timidez ardida, eu ao lado do chafariz eufórico, acomodei meus receios de ousadia para pensar em pedir à Leizinha nada mais do que um minuto miúdo de seu sorriso largo, um dedo de flerte, uma pestana de olhar, meia esperança pretendida, quiçá uma benevolência. Creiam em, sim. No mundo dos indefinidos, amarrado ao poste contemplativo, não lembro se Leizinha se desfez em indiferença, recusa ou eu que me diluí já despretenciado de coragem a romper. Tudo se dava nos envoltados acontecendo, pelos entões, porém, me machucando adoidado. Aquele desmedido nem bastando, quem sabe, até tal-vezes, desmerecido com certeza, gaguejante, amuado, imaginando quem-dera, um gesto ao menos, algum dia, quem-sabe.

Atino, no entanto, que no infortúnio da desinformação e da dúvida, introjetei naqueles contrastes ilusórios de quimeras meus diminutivos nas entranhas censuradas, me desfiz calativo em tristeza, angustiado. A boca do chafariz beijou a ilusão e lamberam, apaixonados, timidezes minhas. Confesso, desapurado, de maledicências. Não havia como negar, calcou a solidão e desapreço, assim olhei o infinito, assobiei raquítico como se o gesto disfarçasse o pejorativo, mastiguei fingimento com sabor de sutileza, o poste ouviu o lamento, poste inútil, segurando a mão fria da angústia, se desfez rogado, idiota, amaldiçoou meus pretensos. Pairou ausência e solitude, faceei nos interstícios dos desamparos dois ameaços de coragens recolhidos com raiva, uma dose mirrada de impotência medíocre, fustigada pelo pejorativo, podes crer, e no confronto da esperança, agoniei em dó menor, pois nem uma porventura que se desse, deu-se. Amargurei abraçado aos meus subjuntivo e infortúnio, poste abraçado à incerteza, agonia e eu, sem escrúpulos desaverbei o infinitivo amar para conjugar amargura. Acredite.

A noite foi abocanhando a melancolia. O sono chamou as crianças suadas, chamadas, faceiras, reticentes, pedindo mãe posso ficar (?), chupando os dedos, agora, se deu só o não melancólico, o vamos, o até amanhã. As maritacas, que não sabiam ser diferentes e nem rezar, se esconderam pelos sumiços preferidos, telhados altos, árvores caladas, segredos tranquilos. Como prouvera o destino, igualado de rotinas, o senhor sacristão, recatozo e repetido, obedeceu ao monsenhor, enxotou os pecados novos pela porta dos fundos e os velhos pela da frente, falou, falou macio, fora da igreja, por favor, fora-fora, ferrolhou os imprevistos, recolheu a solidão no altar-mor.

Tudo assim se igualado deu e, certo, para depois, piamente, apagar as velas, ele, mereceu dispor o sinal da cruz em frente ao mor por ser o de vigência e visada enorme, beijou o rosário antes de escondê-lo no casaco próprio de sacristão cioso e meditou acabrunhado se sabia ou não por que vivera tanto, se era tudo muito sempre por demais, tão sempre igual das igualdades, como mesmo era? Amém. Foi o que se disse a si próprio como acostumava fazer, mirrado a si mesmo, sem apressadamente ou motivo justo, pois não tinha outros senões a cumprir, assim, dantes do primeiro ressonar permitido, tanto que rezingou no acalantar aos mortos santos para não se esconderem pelos oratórios alheios ou perniciosos a se perderem entre os desvãos entremeados das paredes góticas procurando celestiarem aos infinitos e adorarem de perto sendo o Senhor.

A noite se fez por si como as ilusões e os mistérios se escolhem para abonarem as confidências, os acasalamentos e as fantasias. Fomos restando na praça, nostálgica e indiferente, não mais do que o poste aconchegado ao infortúnio e meus infinitos, só. Ainda sim também, aquele apagado chafariz petulante e inútil, bocejando suas lágrimas enxugadas nas costas das mãos da minha angústia. Ombro meu ao poste para não desmerecer meus passados, como sempre eram em sendo. Por ultimado, àquela hora, as saudades, eu, chafariz impostado, a tristeza, fomos observando de longe a se fazerem sumir as pernas e os torneios do corpo amoldado e esbelto, lindo, da menina Leizinha desmanchando pelos meandros das minhas carnes arvoradas, desesperadas, do membro petulante ereto e mal servido, independente, temulento. Demência e ódio. Confabulávamos, fantasias, eu, a solidão, poste, a timidez, desespero.

Pairou um imenso em-vão sobre a nostalgia, sem ter coragem de socorrer a coragem e o arrependimento. Meu sofrer acompanhava os passos de Leizinha desfazendo-se pela ruela acima a busca do nada e realçando minhas angústias. Dei-me conta de que aquela Rua Direita, infinita, sem cerimônia ou compaixão, atrevida, roubava meus motivos. Avistei de soslaio, alongada, com minhas fantasiosas cismas perseguindo os gestos delicados, envolta muito esbelta, no porte gracioso, Leizinha levando, sozinha e só, meus incapazes e tormentos. Desaparecendo menina, mimosa, maldita, me chama, não entranhas no lusca-fuscas pelo amor de Deus, olhe-me.


Imperturbável em fá maior, como sonharia acordado se trovador me dera, vi Leizinha cruzando baixios das sacadas dos alpendres carregando cada vez mais duradouros meus medos, desejos, os meus anseios. Mastiguei asco amargoso, acompanhando as sobradas duas luas fugindo pelas nuances de suas métricas e estrofes, aos troteados meandros da rua subindo, sumindo, para desfazer a esperança frustrada de abraçar Leizinha, amá-la inteira no infinito. Esta agonia do fim, do medo, da impotência se perdeu atrás dos detalhes, da lágrima mansa, das preguiças dos telhados velhos, do nada, como preferem as melancolias. Contrafeito e sem destino, segui as imagens, a meia distância, dos colibris brincando de primavera nos beliscos delicados das flores agradecidas, beijadas. Leizinha foi se desfazendo em corpo, se transformou em memória, em só, transfigurou em desejo, poente, era, foi e tempo passou.

Era o que tanto foi, e cá estou eu atravessados anos corridos, pois que não seria mais do que tantos outros domingos iguais, para eu contar agora, que me viram envelhecer errando enredado ao desencanto da solidão do poste apagado, o chafariz inútil, as crianças reinando e a Leizinha, linda e graciosa, sorrindo, olhando sem me ver, que se casou em um domingo muito antigo, tanto como os demais, casou com alguém fortuito, para agora, exatamente agora, levar seus filhos, os filhos mesmos que por destino eu vi correndo no pega-pega, sempre, no pique das pernas dos namorados e nas alegrias mundanas dos pecados novos indo para casa reabilitarem-se com os perdões saborosos do Monsenhor.

Hoje é domingo, domingo dos remorsos renascendo felizes, arrependimentos, das saudades, de ver a alegria passar de mãos dadas com os normais casais que não devaneiam sozinhos, das frustrações e, por assim em sendo, das maritacas algazarreando suas euforias e me permitindo chorar o tempo que nunca se fez em ser para um dia, por mim, em mim, um dia meu de domingo, para não deixar-me sonhar meus desconsolos tão só.

  * o autor é economista, blogueiro, escrevinhador, e diretor-executivo da AMA – Associação dos Misturadores de Adubos.

Publicado em:  http://carloseduardoflorence.blogspot.com/2019/12/doze-de-rradeiras-e-pelo-amor-de-deus.html

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