Richard Jakubaszko
A psicologia do agricultor como usuário de defensivos depende de seu nível de ansiedade como ser humano. Quanto mais ansioso o agricultor, mais intensa é a agonia de espera pela hora da colheita. Em muitos casos, estabelece-se uma dependência psicológica no uso desses insumos.
O agricultor sempre está atrás de novidade. Precisa saber o que outros produtores estão fazendo para resolver um problema igual ao que tem em sua lavoura. Se for promessa boa, com toda certeza ele a experimentará, se as técnicas e produtos que já utilizou antes não deram resultados. Se for veneno indicado como bom e mais barato do que o por ele usado, também será experimentado. Se funcionar, será incorporado de vez à lista de produtos a comprar. Se veneno muito caro, mas que resolve a situação de difícil controle de praga ou doença, em que outros produtos falharam, também terá vez.
E não importa se o produto tem ou não registro para a lavoura plantada. Tudo isso se deve ao alto investimento necessário para tocar uma cultura. Os custos já se mostram elevados no plantio: adubo, semente tratada, herbicida, mão-de-obra e combustível. Mais da metade do investimento é colocado na terra logo no início. Depois, é a briga para manter a lavoura intocada, esterilizada, pode-se dizer.
Dependendo da lavoura, para não perder o que já investiu, o produtor pode ver dobrarem as despesas até o final da safra, seja com herbicidas de pós-emergência, fungicidas e inseticidas preventivos ou curativos.
Até a colheita, há um período de calmaria, paralela à busca de informações sobre os preços pagos pelo mercado. Mas a vigília continua, com destaque para as doenças que aparecem em ciclos específicos, que, na soja, hoje se chama “ferrugem da China”, e incorporou os sojicultores ao clima de dependência psicológica a defensivos agrícolas vivida por cafeicultores com ferrugem, citricultores com “amarelinho” e outras doenças, cacau com “vassoura da bruxa”, algodão com bicudo, tomate e batata com requeima etc.
Com toda essa neurose de alguns agricultores em aplicar veneno sempre que achar mais conveniente, já assistimos isso na história de várias culturas, como café e laranja, para citar apenas dois exemplos, o surgimento de pragas e doenças em sequência após o tratamento de outra praga ou doença. No café, até o início dos anos 1970, nada se usava de agroquímico, era adubo e muitos cuidados especiais. Chegou a ferrugem do café e muito fungicida cúprico foi derramado em cima do cafezal. Nas safras seguintes proliferou o bicho mineiro, pois o cúprico, de alguma maneira, destruía um status quo na lavoura, ou matava algum inimigo natural do bicho mineiro, e criou condições para a praga proliferar. Muita aplicação de piretróide, pra controlar o bicho mineiro, e apareceram as cigarrinhas e ácaros, também fruto de desequilíbrios ambientais no cafezal. Na laranja foi diferente? A partir do exagero de aplicação de fungicidas para controle da leprose e pinta preta, chegaram doenças e pragas como o amarelinho, cancro cítrico, greening, e vem mais coisa pela frente...
O agricultor é conservador por natureza, mas é inovador por convicção e necessidade. É jogador arisco e assustado, atento, que joga pesado para ganhar, e não tem dó do próprio bolso. Ele aposta sempre, no que por vezes parece um grande blefe, quando o que planta tem seu preço aviltado no mercado. Afinal, muitos alegam estar com prejuízos, em plena safra, mas continuam investindo na aplicação de defensivos. Esse tipo de produto, sem dúvida, é um mal necessário, que necessita ser usado com cautela e bom senso. Caso contrário causa dependência, reduz lucros e pode até inviabilizar o plantio comercial de algumas lavouras, como já se viu no algodão e no cacau. Mas a dependência do uso de agrotóxicos causa outros problemas.
A preocupação com toxicidade cresceu em relação ao passado recente, mas ainda é pequena, em especial no tomate e na batata. Frases comuns no passado são ainda repetidas por produtores, tipo “não faço economia porca”, ou “choveu, tem de pulverizar”, e também “se mudar o tempo, tem de surfatar”.
O comportamento do agricultor mostra que algumas pulverizações são uma espécie de “mea culpa”, para não se lamentar, no futuro, de omissão ou economia, porque esse sentimento de culpa todo agricultor experiente já teve. Titubeou na aplicação de um veneno, e a praga ou doença entrou, trazendo prejuízos. A experiência ensina que é a partir daí que se cria a dependência, com o uso exacerbado de todo tipo de veneno. E quem tem essa dependência é incapaz de dizer o que funciona e o que não funciona efetivamente em todo o pacote de preventivos e curativos utilizados, ou se traz alguma fitotoxicidade à lavoura. Ou toxicidade a seres humanos no consumo.
Qualquer fofoca espalhada pela concorrência pode passar a ser um dogma.
Raros produtores utilizam áreas-testemunha. Fica difícil, para quem não utiliza essa prática, dizer se um produto funciona ou não. Há pouco estímulo em tentar métodos como o MIP (Manejo Integrado de Pragas), muito usado na laranja, porque somente valeria para algumas pragas específicas, nunca para doenças mais sérias, porque estas dependem de mudanças no clima, que favorecem a entrada delas, e o agricultor, por experiência própria, quando vê o clima mudar, começa as pulverizações de prevenção.
Sabe que para o fungo entrar precisa da umidade, no quente entra um tipo, no frio outros, todos perigosos. O MIP ensina a aplicar o agrotóxico na hora certa, ou em reboleiras, quando as infestações são localizadas. O dependente faz uso de subdosagens para economizar. Faz isso quando pulveriza a lavoura com fungicida por causa da mudança do clima ou por ter irrigado, e aproveita para incluir na mistura um “inseticida preventivo”, geralmente um piretróide ou fosforado. Como ainda não há a praga, usa doses menores, mas não se omitiu, “botei o veneno pra ficar tranqüilo, os bichos tavam demorando pra aparecer”.
Existe aí o perigo de se criar cepas de insetos resistentes. Ao contrário, em lavouras como batata, morango, tomate e uva, superdosagens são comuns, tanto na frequência de aplicações preventivas e curativas, como nas doses recomendadas por fabricantes.
Apenas defensivos mais caros geralmente escapam dessa prática, tudo depende da gravidade e da persistência do problema a ser controlado. E colhe-se um produto com perigo de alta toxicidade. É válido, pois, dizer-se que “todo agricultor é movido a pânico”. Porque, se chover, se mudar o clima, ou se perceber alguma coisa voando na lavoura, “tem de surfatar”. O comportamento atávico torna-se um axioma, estimulado pelo marketing de fabricantes e revendas e pelo próprio agricultor, num movimento de círculo vicioso. É necessário lembrar que o uso de preventivos para doenças, aos poucos, vem sendo incorporado ao uso permanente, e com rotação de produtos para garantir a não criação de cepas resistentes, ou como alternativa para o agricultor usar produtos com preços menores.
Agricultores não são imunes aos chamados produtos miraculosos, “bons e baratos”, que volta e meia entram na moda como salvadores da pátria no controle de doenças e pragas. Desde água sanitária, chamada com empáfia agronômica de “hipoclorito”, a até mesmo produtos veterinários como a famosa creolina são utilizados. Muitas outras “novidades” perigosas ainda vão surgir. O agricultor reza na mesma cartilha: “Nasceu tem que surfatar”, e ninguém quer correr riscos. Tentar economizar duas ou três pulverizadas pode botar tudo a perder. A situação continua igual ou um pouco pior do que antes. Os fabricantes reduziram equipes de campo, como forma de economia, e não dão assistência direta a médios e pequenos, preferem atender os grandes produtores, são copiados pelas revendas e mesmo por cooperativas, muitas com maior comprometimento com lucros do que com os cooperados.
Com todo esse barulho, o agricultor passa a ser um dependente psicológico do uso de agrotóxicos, seja antigo ou novidade. A dependência invalida todo e qualquer marketing que se faça, por mais criativo que seja, para agregar valor aos produtos da terra. É o caso de se dizer “agrotóxico: use com cautela e sabedoria”.
* Artigo publicado na revista DBO Agrotecnologia, edição nº 2, de julho / agosto 2004. O presente texto é também capítulo resumido do livro "Marketing da terra" e ainda capítulo resumido e adaptado de outro livro: deste autor, "Marketing Rural: como se comunicar com o homem que fala com Deus," ambos editados pela Editora UFV, da Universidade Federal de Viçosa, MG.
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