Richard Jakubaszko
Destaco abaixo o texto completo do artigo do agrônomo Xico Graziano, que se diz um ambientalista (publicado no Estadão, 29/5), e logo a seguir a réplica do também agrônomo Fernando Penteado Cardoso, ambos esalqueanos, mas com uma visão sutilmente diferenciada da história e de outros quesitos ambientais. Vale a pena comparar as opiniões, eis que se transformam num debate interessante.
Código Florestal, o Retorno
Por Xico Graziano *
Entre tantas dúvidas sobre o Código Florestal, uma certeza o agricultor José Batistela carrega: ele não precisa, nem quer, ser anistiado. Ninguém jamais o convencerá de que incorreu em crime ambiental ao abrir as fronteiras agrícolas do Brasil. Julga tal suposição uma afronta ao seu caráter.
Descendente de italianos, cheio de bisnetos, seu José anda meio depressivo pelo que escutou no rádio e na televisão. Sente-se desprestigiado na sociedade urbanizada que ajudou a erigir e agora lhe vira as costas, não lhe reconhecendo nas mãos os calos ganhos no árduo trabalho da roça. Esquecem-se os citadinos de sua saga familiar, há mais de século iniciada com a abertura daquelas terras roxas na região de Araras, destinadas a plantar os cafezais que forjaram a pujança paulista. O machado, sim, e a maleita, também, fazem parte de sua história. Renegada no presente.
A mistura entre desmatadores e pioneiros representou a pior desgraça gerada nessa infeliz polêmica sobre a legislação ambiental do campo. Uns, condenáveis, outros, elogiáveis, ambos se misturaram no discurso exagerado, enganoso mesmo, brandido pelos radicais do ambientalismo. Em nome de nobre causa - a defesa ecológica -, cometeram uma tremenda injustiça com os nossos antepassados, equiparando-os aos criminosos da floresta. Cuspiram em suas origens.
Semelhantes a qualquer outro povo espalhado no planeta, os pioneiros da Nação brasileira, certamente, suprimiram muitas florestas virgens. Começaram pela Zona da Mata nordestina, onde o latifúndio açucareiro se instalou ocupando a faixa úmida e ondulada que acompanha a costa atlântica. Depois, durante a corrida para a mineração, chegou a vez de o montanhoso solo mineiro ser desbravado. O mesmo ciclo de progresso estimulou a exploração pecuária nos pampas gaúchos. Pedaços da vida selvagem cediam espaço para a civilização humana crescer.
Mais tarde, a frente de expansão adentrou a Mata Atlântica do Sudeste, buscando a excelente fertilidade das terras roxas. São Paulo, por intermédio dos bandeirantes e, depois, dos imigrantes, assumia a dianteira econômica, e política, do País antes mesmo do fim da escravatura. Nessa época, o navio trazendo o pai de José Batistela aportava no Porto de Santos. O que o movia era o sonho da prosperidade no além-mar.
O tempo passou. Somente quando a agronomia realizou uma de suas maiores façanhas tecnológicas - a conquista do Cerrado no Centro-Oeste - a última fronteira se efetivou. Há 40 anos se iniciava a interiorização do desenvolvimento nacional, processo que ainda receberá da historiografia o devido reconhecimento na consolidação do País. Confundir essa ocupação histórica do território com o dano ecológico causado pelos devastadores do presente significa tola, ou mal-intencionada, visão.
Nossos avós, definitivamente, não são criminosos ambientais, tampouco criaram "passivos" a serem recuperados. Ao contrário, eles geraram ativos produtivos para a civilização. Como se teriam erguido, e abastecido, as cidades sem a lavra do solo virgem? Impossível. Derrubar árvores, drenar várzeas, combater peçonha foram exigências do progresso material da sociedade, aqui como alhures, turbinado pela explosão populacional.
Haverá, com certeza, um limite para a exploração planetária. O que permite tal hipótese é o avanço tecnológico. Quanto mais as modernas técnicas garantem, no campo, maior produtividade por área explorada, mais se facilita a preservação de espaços naturais. Boa comprovação disso se encontra na pecuária brasileira. O volume de carne produzido hoje no Brasil exigiria, se mantido o nível de tecnologia de 30 anos atrás, um assustador acréscimo de 535 milhões de hectares nas pastagens. Economizou-se uma Amazônia.
No patamar de conhecimento atual, estima-se que as áreas já exploradas do território nacional seriam suficientes para atender à demanda de mercado por alimentos e matérias-primas. Ou seja, após séculos de expansão sobre os biomas naturais, vislumbra-se um ponto de equilíbrio entre derrubar e produzir. Mais que utopia, o desmatamento zero torna-se uma possibilidade real.
Seu José Batistela, agricultor da velha guarda, tem dificuldade para entender esse assunto da "pegada ecológica" da humanidade. Mas concorda com a punição dos picaretas que, na Amazônia ou onde mais, zunem a motosserra afrontando conscientemente a lei florestal. Sabe que os tempos mudaram.
Aqui está o xis da questão: como consolidar, e regularizar, as áreas produtivas da agropecuária nacional sem facilitar a vida para os bandidos da floresta. Infelizmente, no debate polarizado sobre o novo Código Florestal, tudo virou um só dilema: anistiar, ou não, os desmatadores, colocando todos no mesmo saco. Desserviço à inteligência.
Chegou a hora de passar a limpo essa encrenca entre ruralistas e ambientalistas. Má interpretação, exageros, preconceitos confundiram a opinião pública, até no exterior. Na Europa, especialmente, ecoterroristas venderam a ideia de que o Código Florestal acabaria com a Amazônia. Mentira deslavada. Abaixada a bola com a (correta) promulgação da Lei 12.651/2012, com vetos, seguida da imediata publicação da Medida Provisória 571, há que retomar a capacidade de interlocução.
Doravante valeria a pena ouvir a voz da sensatez. Recuperar a biodiversidade não se sobrepõe à proteção humana. Não faz nenhum sentido regredir, salvo o imprescindível nas matas ciliares, o território produtivo do País. Muito menos facilitar os desmatamentos.
Código Florestal, o Retorno. Assim se poderia chamar o filme. Só que, nesse novo enredo, José Batistela ocupará um papel honrado. Xico Graziano
* Ex-Secretário Estadual do Meio Ambiente de São Paulo, é engenheiro agrônomo, mestre em Economia Rural e doutor em Administração.
CONTRAPONTO
São Paulo, 4 de junho de
2012
Carta aberta
Nossos avós não são criminosos
ambientais
Prezado colega Xico Graziano:
Venho parabenizá-lo por sua crônica de 29 de Maio (OESP,A2) fazendo
justiça aos pioneiros do século 19 e parte do século 20 que abriram o sertão
para plantar café.
Nesta fase ingrata da mídia avassaladora, mistificando por vezes a
opinião pública, principalmente dos urbanitas, é confortante, pela franqueza e
realismo, ler no OESP (29/5,A2), um dos principais jornais do país:
“... cometeram uma tremenda injustiça com os nossos antepassados,
equiparando-os aos criminosos da floresta. Nossos avós, definitivamente, não
são criminosos ambientais, tampouco criaram “passivos’ a serem
recuperados. Ao contrário, eles geraram
ativos produtivos para a civilização. Como se teriam erguido, e abastecido, as
cidades sem a lavra do solo virgem? Impossível.
Derrubar árvores, drenar várzeas, combater peçonha foram exigências do
progresso material”.
Mais adiante V. pode confundir seriamente os leitores ao fazer média
com os ambientalistas caçadores de manchetes, repetindo seus chavões monótonos
e cansativos ou perseguindo bruxas, ora interpretadas por “picaretas que zunem a
motosserra, ...criminosos ambientais,... bandidos da floresta.”
A generalização cria um dilema par os leitores. Porque seriam hoje
picaretas, criminosos e bandidos se não o eram antes? São pessoas que continuam
assumindo riscos e desconforto, no afã de produzir carne vermelha, cereais e
outros produtos agrícolas. Os picaretas perambulam pelas metrópoles, jamais
labutam nas florestas.
Pena que o crédito aberto aos pioneiros do século 19 não tenha sido
estendido a seus semelhantes do século 20, que nos anos 1970 a 1990 abriram mais de
20 milhões de ha de vegetação primária, com motosserra para plantar capim na
mata pesada, com correntão para semear
cereais no cerrado mais leve.
Esses desbravadores, tanto quanto nossos avós, são os responsáveis
pela extraordinária expansão da agropecuária de que tanto nos orgulhamos. São
ainda os fundadores e autores de uma série de cidades com IDH médio de 0,80, de
que nos blasonamos.
Nesses dois séculos nada teria sido feito sem as aberturas da
vegetação nativa. A remoção do dossel arbóreo para possibilitar a incidência da
luz solar sobre o solo é um procedimento sem alternativa no processo da
fotossíntese inibido pela sombra.
Eles, os pioneiros
desbravadores, removeram a sombra para produzir milhões de t de alimentos e
para implantar cidades do mais alto nível. E essa produção serve para suprir as
necessidades da população brasileira - crescentemente urbanizada (hoje são 85%
do total) – e ainda gerar excedentes exportáveis que trazem bilhões de dólares
para a nossa economia.
E não foram irresponsáveis, em relação ao interesse de seus
sucessores, tornando desfavorável o ambiente da produção. O ambiente
solo-água-ar se mantem em alto nível e plenamente sustentável graças às
tecnologias praticadas. Muito pelo contrário, criaram em milhões de hectares uma
fertilidade antes inexistente nas terras fracas de origem.
A abertura de muitos milhões de
ha não comprometeu o clima local, que permanece adequado até nossos dias, nem a
disponibilidade de água, ora disputada por uma população crescente. As regiões
abertas no citado período abrigam hoje milhões de habitantes com elevado nível
de vida.
Além do mais, o engenho humano tem possibilitado uma produção
crescente de alimentos, de fibras e de bioenergia com mais eficiência do que
antes por unidade de área utilizada e por unidade de trabalhador empregado.
Essas considerações nos deixam perplexos. Muito mais perplexa fica a faixa da população
menos doutorada, imersa nesse mar de contradições, de sofismas e de demagogia,
ora exaltada pela mídia que nos envolve e nos avassala.
Cordial abraço esalqueano
Fernando Penteado Cardoso **
** Engenheiro Agrônomo Sênior, ESALQ, turma de 1936.
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