Jean
Wyllys, na Carta Capital:
A
Operação Lava Jato poderia ser uma oportunidade excepcional, dessas que quase
nunca ocorrem, para discutir seriamente o problema da corrupção no Brasil e a
forma com que ela prejudica a democracia. Pela primeira vez, as principais
empreiteiras estão sendo investigadas e 21 executivos foram presos pela Polícia
Federal, entre eles os presidentes de algumas delas. Não estamos falando de
quaisquer empresas, mas daquelas que realizam as mais importantes obras
públicas, financiadas pelos governos federal, estaduais e municipais de
diferentes partidos e que, ao mesmo tempo, são as principais financiadoras das
campanhas eleitorais que elegeram esses governantes.
Os
grandes esquemas de corrupção — que sempre são apresentados pela cobertura
jornalística, de forma falaz, como se fossem apenas uma espécie de degeneração
moral de determinadas pessoas — geralmente associada ao partido que está no governo,
revelam-se no caso da Lava Jato como o que realmente são: um componente
fundamental de um sistema econômico e político controlado não por funcionários
corruptos, mas pelas empresas corruptoras.
Repassemos
alguns dados.
As
empreiteiras investigadas são nove: OAS, UTC, Queiroz Galvão, Odebrecht,
Camargo Corrêa, Iesa, Galvão Engenharia, Mendes Junior e Engevix. Juntas, elas
têm contratos com a Petrobras de 59 bilhões de reais. Só no Rio de Janeiro,
três dessas empreiteiras (OAS, Camargo Corrêa e Odebrecht) participam,
associadas em diferentes consórcios, das dez maiores obras da Copa do Mundo e
das Olimpíadas (linha 4 do metrô, Maracanã, Parque Olímpico, Transcarioca,
Transolímpica, Porto Maravilha etc.) por um valor total de 30 bilhões. Elas têm
contratos com governos de quase todas as cores. Várias delas também participam
da privatização dos aeroportos e das obras do PAC, do governo federal, mas
também das obras do metrô de São Paulo, envolvidos num caso de corrupção pelo
qual é investigado o governador Geraldo Alckmin, que também recebeu dinheiro de
empreiteiras para sua campanha.
Com
negócios diversificados e participação em diferentes escândalos de corrupção, a
lista das empreiteiras mais importantes do País é liderada pela Odebrecht que,
segundo o ranking da revista O Empreiteiro, tem um faturamento de 5.292 bilhões
de reais. Você sabe quanto dinheiro “doou” essa empresa para diferentes
partidos e candidatos nas últimas eleições? Mais de 30 milhões de reais! A
Odebrecht doou para todos os seguintes partidos: PSDB, PT, PSB, PMBD, PP, DEM,
PCdoB, PV, Solidariedade, PROS, PRB, PSD, PPS, PSC, PCdoB, PTC e PSL. Eles
doaram 2,95 milhões para a campanha da Dilma, 2 milhões para a campanha do
Aécio e 500 mil para a campanha de Eduardo Campos (depois somou quase 50 mil a
mais para a campanha da Marina), mas também para candidatos a governador e
deputado e para os comitês financeiros e as direções nacional e estaduais de
diferentes partidos.
De
todos os partidos que elegeram representantes para o Congresso Nacional, o
único que não recebeu dinheiro de nenhuma das empreiteiras investigadas (aliás,
de nenhuma empreiteira!) foi o PSOL. Sim, foi o único!
A
segunda maior empreiteira do ranking, com um faturamento de 5.264 bilhões, é a
Camargo Corrêa, que doou, por exemplo, 1,5 mi para o DEM. A empreiteira Queiroz
Galvão fez doações de campanha por mais de 50 milhões, beneficiando candidatos
de 15 partidos, entre os quais o PT, o PSDB, o PMDB, o DEM e o PSB. Também
doaram 200 mil reais para a campanha do nanico pastor Everaldo. Outra campeã
das doações foi a OAS, com uma generosidade política de mais de 52 milhões que
beneficiou Aécio, Dilma, Marina e candidatos de 12 partidos. A UTC fez doações
de 34 milhões e também foi ampla na distribuição, beneficiando a 11 partidos,
entre os quais estavam os mais importantes da situação e da oposição. E por aí
vai. Todas elas estão envolvidas na investigação da Polícia Federal.
Alguns
candidatos não recebem dinheiro de uma determinada empresa de forma direta, mas
essa empresa doa para o comitê do partido, ou para sua direção nacional ou
estadual, que por sua vez faz uma doação ao candidato. Ou então a empresa pode
doar para um candidato a deputado, que depois faz uma doação para o candidato a
presidente, ou vice-versa. Algumas empresas têm diferentes denominações, cada
uma com um CNPJ distinto. Mas a quantidade de dinheiro que sai da União, dos
Estados e dos municípios e vai para as empreiteiras mediante contratos para
obras públicas, e que sai das empreiteiras e vai para os candidatos e seus
partidos, é imensa. E essa promiscuidade entre política e mundo dos negócios
produz enormes prejuízos para a democracia.
O
problema não é apenas a corrupção direta, a propina e a lavagem de dinheiro. É
também o poder que essas empresas têm para desbalancear o sistema democrático,
apoiando determinados candidatos e candidatas com quantias absurdas de dinheiro
que fazem com que os e as concorrentes de outros partidos tenham pouquíssimas
chances de vencer, a não ser que entrem no esquema.
Nas
últimas eleições, 326 parlamentares tiveram suas campanhas financiadas por
empreiteiras (nenhum do PSOL!). E, entre eles, 255 receberam dinheiro das
envolvidas na operação Lava Jato. Façamos as contas. Os candidatos das
empreiteiras são maioria no Congresso! Dentre eles, 70 deputados e 9 senadores
são citados nas investigações. E há governistas e opositores — inclusive
petistas e tucanos (mas alguns jornais e revistas citam apenas os petistas).
O
financiamento empresarial das campanhas favorece esse esquema e prejudica os
que não querem fazer parte dele. Eu fui o sétimo deputado federal mais votado
do estado do Rio de Janeiro, com 144.770 votos, e a receita total da minha
campanha foi de 70.892,08 mil reais em doações físicas, sendo que, destes, 14
mil correspondem a trabalhos de voluntários. Não recebi (e nem quero!) um
centavo das empreiteiras.
Agora
vou dar um exemplo contrário: deputado Eduardo Cunha, que teve 232.708 votos e
foi o terceiro mais votado do estado, declarou uma receita de mais de 6,8
milhões de reais! Sim, você leu bem: quase 7 milhões. Os diretórios nacional e
estadual do PMDB, seu partido, que também doou dinheiro para ele, receberam
“ajuda” da OAS (3,3 milhões), da Queiroz Galvão (16 milhões), da Galvão
Engenharia (340 mil) e da Odebrecht (8 milhões). O PMDB governa o estado que dá
a algumas dessas empreiteiras obras públicas milionárias. Isso sem falar dos
bancos, empresas de mineração, shoppings e outros empreendimentos que
depositaram na conta de Cunha.
Vocês
percebem como o é injusto e antidemocrático que um candidato honesto, que conta
apenas com doações de amigos, militantes e simpatizantes, contra outro que
recebe quase 7 milhões de bancos e empreiteiras? Vocês percebem como isso faz
com que nosso poder, eleitor, seja cada vez menor, e com que o poder da grana
se imponha cada vez mais?
Agora
pense no seguinte: Eduardo Cunha pode ser o próximo presidente da Câmara dos
Deputados! Ele é um dos cérebros da bancada fundamentalista, foi o grande
articulador da presidência da CDHM para o pastor Marco Feliciano e é o
porta-voz do que há de mais reacionário, retrógrado, conservador e antipopular
no Congresso. Algumas pessoas acham que o grande vilão da direita é Jair
Bolsonaro, mas na verdade, ele é apenas um personagem caricato, bizarro, que
tem mais holofotes do que merece. O verdadeiro poder radica em personagens
menos conhecidos, como Cunha, que se mexem nas sombras. E as doações
milionárias entram na conta dele.
Mas
eu comecei dizendo que tudo o que está acontecendo em torno da operação Lava
Jato poderia ser uma oportunidade excepcional para discutir seriamente o
problema da corrupção no Brasil e a forma com que ela prejudica a democracia.
Poderia ser, mas não está sendo. A maioria da imprensa, e alguns líderes da
oposição com espaço na mídia, está tentando passar a impressão de que se trata,
apenas, de um novo “escândalo de corrupção do PT”.
Delegados
e fontes do judiciário ligadas a partidos de direita vazam de forma seletiva
informações que envolvem apenas os corruptos petistas, mas escondem as que
poderiam prejudicar os corruptos tucanos ou de outros partidos. Tudo passa a
ser “culpa da Dilma, do Lula e dos petralhas”. E o PSDB e seus aliados da
direita tentam se apropriar da operação e se apresentar como os paladinos da
moral e da honestidade que querem nos livrar dessas mazelas. Hipócritas!
É
claro a corrupção na Petrobras durante os governos petistas que tem que ser
investigada — mas também durante os governos tucanos e os governos anteriores
aos tucanos! É claro que temos que investigar todos os funcionários e
parlamentares envolvidos nos esquemas, seja do partido que forem. O PT e seus
aliados têm uma enorme responsabilidade nisso tudo. Mas enquanto pensarmos na
corrupção apenas como uma sucessão de casos particulares e olharmos para ela
apenas como um problema moral seremos como aquele personagem da publicidade
“Sabe de nada, inocente!”. O escândalo está sendo instrumentalizado por uma
parte da imprensa não apenas para atacar o governo, mas também para colocar a
Petrobras no alvo de discursos privatizadores! Ou seja, a questão é muito mais
complexa!
Por
isso, e se realmente quisermos fazer algo que tenha impacto real contra a
corrupção, o primeiro passo é acabar com o financiamento empresarial de
campanha. A OAB apresentou no Supremo Tribunal Federal uma ADIN (ação direta de
inconstitucionalidade) para proibi-lo, e tem todo o apoio do PSOL. Seis dos
onze ministros já votaram favoravelmente, mas o ministro Gilmar Mendes,
Advogado Geral da União durante a presidência de Fernando Henrique Cardoso,
pediu vistas do processo em abril desse ano e, desde então, nada fez a
respeito.
Diversos
movimentos sociais e políticos lançaram a campanha #devolvegilmar, para que o
ministro conclua suas vistas e permita que ela seja julgada. O fim do
financiamento empresarial de campanhas deveria ser também um dos principais
eixos da reforma política que o Brasil precisa. Porque com um Congresso cujos
integrantes foram financiados pelas principais empreiteiras envolvidas nesses
esquemas, não haverá “CPI das empreiteiras”, da mesma forma que não avançará a
CPI da Petrobrás. Tudo será tratado como mais um escândalo.
Se
quisermos que a corrupção deixe de ser, apenas, o tema favorito das manchetes
de jornal, e passe a ser combatida de forma realista e eficaz, sem hipocrisia,
precisamos produzir reformas estruturais no sistema político e econômico e não
apenas fazer julgamentos morais partidarizados. Precisamos cortar um dos
principais rios de dinheiro que corrompe a política e, ao mesmo tempo, diminui
o poder dos eleitores, transformando os governos e o Congresso em reféns dos
interesses de um pequeno grupo de empresários com negócios bilionários.
Devolve,
Gilmar! Vamos falar sério dessa vez!
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