Richard Jakubaszko
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O dedo de Deus, e Adão, Capela Sistina, obra do gênio Michelangelo |
A afirmação, ou
constatação, foi feita pelo filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900), e
aparece pela primeira vez no livro A Gaia
Ciência, no século XIX, e depois reaparece na principal obra de Nietzsche,
“Assim falou Zaratustra”:
“Deus está morto! Deus
permanece morto! E quem o matou fomos nós! Como haveremos de nos consolar, nós
os algozes dos algozes? O que o mundo possuiu, até agora, de mais sagrado e
mais poderoso sucumbiu exangue aos golpes das nossas lâminas. Quem nos limpará
desse sangue? Qual a água que nos lavará? Que solenidades de desagravo, que
jogos sagrados haveremos de inventar? A grandiosidade deste ato não será
demasiada para nós? Não teremos de nos tornar nós próprios deuses, para
parecermos apenas dignos dele? Nunca existiu ato mais grandioso, e, quem quer
que nasça depois de nós, passará a fazer parte, mercê deste ato, de uma
história superior a toda a história até hoje!”
O estranho, e curioso, é
que Nietzsche era ateu.
A história registra que
quase todas as religiões têm promessas de paraísos divinos após a morte, mas
também a maioria delas inclui em suas profecias a vinda – ou retorno – de um
profeta, antecedida por ameaças de um Apocalipse.
Nas religiões cristãs –
de maioria ocidental – encontramos o Apocalipse caracterizado nas profecias dos
apóstolos em torno dos Quatro Cavaleiros (Guerra, Conquista, Fome e Morte).
Talvez Nietzsche, quando
anunciou a morte de Deus, tenha embutido nisso a ideia da busca da Verdade
Absoluta, ou, a Verdade da Ciência, eis que, em falta de consensos teológicos,
não passaríamos de simples ilusões da verdade, para encobrir a humanidade
contraditória em um mundo desprovido de Deus. Com Nietzche, seria o fim da
infinita espera pela chegada dos profetas, logo após o Apocalipse, e antes da
ressurreição, ou do juízo final, mas o ambientalismo, tal como tem sido
acusado, de ser uma nova religião, não foge à regra. Não promete o profeta, mas
garante o Apocalipse. Aliás, os ambientalistas são todos profetas...
Um ponto em comum entre
todas as religiões, e também no ambientalismo, é que se percebe um moralismo
radical, que embute leis ditatoriais, verdadeiros dogmas, proibições de todos
os tipos para atingir-se o objetivo final, e promete-se um paraíso, e até mesmo
uma vendetta, que pune os maus e
premia os de bom comportamento.
Em um mundo onde já não
confiamos mais em quase ninguém, nem na mídia, tampouco nas religiões, nos
cientistas e governos, nos médicos, afinal, em quem poderíamos confiar, se cada
um desses grupos tem uma ideia fixa de se apoderar de algo que possuímos ou
daquilo que achamos que somos? Nada, simplesmente estamos sozinhos. Nascemos
sozinhos e vamos morrer sozinhos.
Noam Chomsky desnuda e
denuncia as estratégias de manipulação midiática, eis que “o meio é a
mensagem”, conforme McLuhan. Pior ainda: que os mais jovens saibam que a
história da humanidade, como a conhecemos, é mentirosa, cheia de omissões
importantes, e recheada de inclusões indevidas, pois a história é escrita pelos
vencedores. Mas tenho sonhos e desideratos de que isso se modifique, em contraditórios através da
internet e dos livros.
Portanto, a constatação de Nietzsche de que Deus morreu é um argumento
filosófico, e rebusca na sociologia argumentos para esse assassinato
contemporâneo. De toda forma, serviu para discussões e debates intensos, contra
e a favor, desde que foi citada pela primeira vez, e inúmeros tratados filosóficos
foram escritos, com interpretações e leituras críticas, algumas com viés tão
distante da realidade que mereceriam o rótulo de textos humorísticos, tamanha a
imparcialidade despejada de ideias estapafúrdias. Desnecessário, talvez,
registrar que sempre houve gente contra e a favor, e que realimentavam a
dialética recitando os filósofos gregos, especialmente Aristóteles, com o “quem
nasceu primeiro, o ovo ou a galinha”, para levantar a bandeira da inutilidade
do debate, por uma visão agnóstica do Criador, eis que Aristóteles considerava
que a galinha veio primeiro.
A transposição da ideia-chave para o campo dos criacionistas e evolucionistas,
outro inconclusivo debate, foi consequência natural, até porque os primeiros
humanos habitantes de nosso planeta, antes da descoberta do verbo, fato
ocorrido entre 15 e 20 mil anos atrás, tinham a fé, e com esta tentaram e
conseguiram impedir parcialmente a ação dos povos bárbaros inimigos. Nos
primórdios de nossos antecedentes, então caçadores e coletores, já havia entre
eles a noção coletiva da acumulação de bens, especialmente de alimentos, para
enfrentar períodos de frio, secas e chuvas, e se havia êxito nesses propósitos
os ladrões, assassinos e aproveitadores, estavam a postos para se beneficiarem,
e apenas seriam brecados pela ação de Deus, que puniria a todos, conforme já
descrevia a tábua de Moisés, que é coisa de cerca de 6 mil anos atrás.
Se Deus criou a
humanidade, ou se a humanidade criou Deus, para Nietzsche e outros estudiosos
do assunto, pouca importância há, e não faz diferença alguma. O centro da
questão é que Deus está lá, em algum lugar, e comanda o espetáculo da caminhada
da humanidade, ou melhor, e outorgou o livre arbítrio para decidirmos até
quando disporíamos com utilidade de seu nome, seja através de nossos atos, ou
das leis humanas complementares aos 10 Mandamentos.
O fato é que, nos tempos
contemporâneos, com o aumento da expectativa de vida, e com o advento das
tecnologias digitais, ao lado do consumismo impulsionado pelo neoliberalismo, o
homo sapiens atinge o patamar de se considerar um semideus, conforme nos
alerta Yuval Noah Harari em seus best sellers, Homo Sapiens e Homo Deus,
prognosticando o autor, para dentro em breve, uma corrida das ciências para a
conquista da imortalidade, visto como algo possível, em comparação a outros
tempos, quando isso sempre foi um desiderato coletivo, ou seja, um sonho e
desejo utópico. Enquanto a imortalidade não chega os cientistas tentam aumentar
a expectativa média de vida, hoje perto dos 80 anos, para algo como 120 anos,
porém com qualidade de vida, e com octogenários(as) com aparência de 40 anos de
idade.
Essas limitações dos sonhos humanos foram explicadas e alimentadas pelas
diversas religiões, em todos os tempos, e determinaram até mesmo períodos de exacerbado
poder, no ocidente concentrado na religião cristã, mesmo em períodos
pós-dissidentes, por exemplo, quando houve o nascimento do protestantismo
através de Martinho Lutero, em plena Europa renascentista. Já nas Américas bem
que os espanhóis escarafuncharam a vida de Incas, Maias e Astecas para
encontrar a Fonte de Juventude. Depois, com as descobertas dos novos mundos e a
evolução das ciências, adentrou a humanidade ao século XX acreditando que as
tecnologias seriam o paraíso, apesar de alguns ainda julgarem que será o
inferno.
Mas as religiões pentecostais continuam ativas, poderosas e autoritárias, usando e
abusando do nome de Deus, e hoje estão nas TVs conquistando fiéis e doadores.
Assim, o que se percebe
na chamada grande maioria dos jovens adultos é uma enorme indiferença sobre o
que acontece hoje e entre as coisas que poderão nos afetar no futuro, ou aos
nossos descendentes.
O egoísmo é a tônica, o fator predominante para a indiferença. Não apenas
indiferença, mas o fator do desconhecimento real daquilo que seja realmente
importante, o que indicaria um baixo nível cultural diante da má qualidade do
ensino básico, que não prepara os jovens para o essencial da vida. Tanto isso é
verdade que uma graduação em qualquer faculdade nos dias de hoje não torna o bacharel,
como se dizia em outros tempos, um “doutor” na matéria, pois hoje em dia
precisa fazer um mestrado e depois um doutorado para atingir o estágio do
graduando de ontem.
Contudo, este é um
fenômeno internacional, não apenas brasileiro, cuja causa é a superpopulação.
Mas também é mera diferença de outros tempos, em que o número de anos numa
faculdade e do total de estudos se amplia, mas não garante ao estudante o saber
de fato os temas de sua especialidade, diante da realidade e da velocidade do
avanço do conhecimento humano, que dobra a cada cinco anos, conforme registram
especialistas. A indiferença dos jovens, nesse sentido, tem o aval da falta de
conhecimentos e de cultura geral, despreparados na vida acadêmica para
enfrentar o mundo real, pois a grande maioria das faculdades não ensina a
pensar, elas apenas cumprem de forma burocrática uma extensa e intrincada grade
curricular, em que pelo menos um terço das disciplinas poderia ser deixado de
lado, sem prejuízo do aprendizado especializado. O tema é vastíssimo, além de
polêmico, mas nos permite explicar e até mesmo justificar a indiferença dessa
geração de jovens contemporâneos, pois estão indecisas, estão perdidas,
atoladas em excessos de informações inúteis e manipuladas, vinculadas a
interesses difusos.
Atualmente, com as sucessivas
crises, ficou difícil ter. Vivemos o aparentar que temos (comprando carros em
suaves prestações de 70 meses), e até aparentar que se tem é difícil. O que
gera multidões de frustrados, angustiados e neuróticos. A maioria com altíssimas
dívidas nos cartões de crédito e no cheque especial. Se tivéssemos um indicador
social de felicidade humana que fosse aceito por todos, não seria difícil medir
esse índice de (in)felicidade (tem o FIB – felicidade interna bruta). A questão
é que muitas vezes a gente nem percebe, mas existem esses indicadores,
chamam-se tóxicos, alguns legalizados, e outros não, pois há bebida alcoólica,
crack, cocaína, maconha, LSD, ansiolíticos, calmantes, Prozacs, estes últimos
legalizados, e a maconha, agora a pedidos e por passeatas, por legalizar, etc.
e etc. E muita neurose.
De outro lado, nos caberia ainda questionar Gramsci, o filósofo e político
comunista italiano que escreveu “Odeio os indiferentes”, e que acreditava que
“viver significa tomar partido”. Como não ser indiferente diante do mundo
contemporâneo, que nos engana, esmaga com mentiras e engodos oficializados,
seja da mídia, da Igreja, da Justiça, e especialmente dos governos
democraticamente eleitos, mas sempre a serviço dos poderosos e das elites econômicas?
Como não ser indiferente diante da hipocrisia politicamente correta, impregnada
de moralismos, que policia os comportamentos, monitora os inadaptados, isola os
contestadores ou de quem se atreve a levantar a voz ou duvidar de um porta-voz
da elite?
Os professores,
especialmente no Brasil, a partir da privatização do ensino nos anos 1970, viram-se
desprovidos do poder de reprovar os alunos, perderam respeito e importância
diante dos alunos. Os alunos passaram a ser “clientes”, e exigem “direitos”,
sem a contrapartida do dever de estudar e aprender. O nível e a qualidade do
ensino caíram, vale apenas o “ter o diploma”.
A verdade nua e crua é essa, nós humanos não temos um Manual de Instruções para
a vida. Vamos aos tropeços, caímos e levantamos o tempo todo. Por vezes, uma
queda nos estropia por inteiro, física e espiritualmente, e levamos mais tempo
para levantar, mas recuperamos e vamos em frente, porque o show da vida tem de continuar. No coletivo, os humanos sequer
aprendem com os erros da história, ou com os erros de outros humanos, e por
causa disso repetem-se os mesmos erros. Os adultos preocupam-se pelas leis de
seus manuais, mais com o que os outros pensam e fazem ou deixam de fazer.
Particularmente, cá do meu Manual, acho que se todos dedicassem um tempo para
aprender sobre o conteúdo ideal que um Manual de Instruções dos humanos deveria
ter, e a cuidar do próprio rabo, o mundo seria bem melhor. A vida em si é muito
complicada, diferente em cada um, e essa individualidade e diversidade humana já
bilionária do planeta hoje talvez seja a explicação para as razões do Criador
não nos fornecer o tal Manual de Instruções.
Fico na dúvida sobre a existência ou não do determinismo e do livre arbítrio,
ou as duas coisas. Dou créditos a Drummond:
“Se
procurar bem, você acaba encontrando não a explicação (duvidosa) da vida, mas a
poesia (inexplicável) da vida”.
Posto isto, como acreditar em ONGs, de que devemos proibir a construção de hidrelétricas? Os caminhos alternativos que nos propõem, para não ficarmos no
escuro e improdutivos, são soluções paliativas, como as energias eólicas e
solares. Ou hipócritas e altamente perigosas, como a energia nuclear, que pode
destruir tudo pela simples falha de um bêbado imbecil (como em Chernobyl). Ou
por imprevistos acidentes geológicos da caprichosa natureza, como tsunamis.
Como acreditar na ameaça sem provas científicas de um aquecimento e de mudanças climáticas, endossados pelo IPCC?
Como se faz para parar a onda imbecilizante e do patrulhamento politicamente correto do ambientalismo, que ameaça travar o progresso humano?
Os ambientalistas não são indiferentes... Eles são participantes, ativos, briguentos e lutadores, é notório isso, e devemos reconhecer
essa verdade. Indiferentes são os outros, o “resto” da humanidade, que é a
maioria silenciosa, talvez a maioria imbecilizada pela televisão e pela mídia.
Gente domesticada, nada mais, a serviço de grupos e de elites gananciosas.
A única luz ao final do túnel, em minha modesta maneira de ver, é reduzir a velocidade dos índices de crescimento demográfico, apesar de estarmos em cima da hora. Mas quem se atreve a isso? Os políticos? Não, eles
querem votos! A mídia, ou as empresas? Não, eles representam negócios, lucros,
e com mais gente por aí terão mais consumidores! Os religiosos? Não, eles querem mais almas para salvar, e para contribuir aos cofres sagrados que garantem o poder.
É difícil, portanto, caríssimo Gramsci, bem sobreviver no mundo moderno, sem
abanar o rabo aos poderosos. Belas e importantíssimas foram as suas palavras,
que nos chegaram lá dos idos de 1917, em que afirma:
"A
indiferença atua poderosamente na história. Atua passivamente, mas atua. É a
fatalidade; e aquilo com que não se pode contar; é aquilo que confunde os
programas, que destrói os planos mesmo os mais bem construídos; é a matéria
bruta que se revolta contra a inteligência e a sufoca, porque a massa dos
homens abdica da sua vontade, deixa de fazer, deixa enrolar os nós que, depois,
só a espada pode desfazer. A fatalidade, que parece dominar a história, não é
mais do que a aparência ilusória desta indiferença. Há fatos que amadurecem na
sombra, porque poucas mãos, sem qualquer controle a vigiá-las, tecem a teia da
vida coletiva, e a massa não sabe, porque não se preocupa com isso. Os destinos
de uma época são manipulados de acordo com visões limitadas e com fins
imediatos, de acordo com ambições e paixões pessoais de pequenos grupos ativos,
e a massa dos homens não se preocupa com isso."
Lembrete importante: Gramsci
dizia odiar os omissos.
Podemos raciocinar sobre
essas questões de outra maneira, eis que a família moderna, cada vez mais
desestruturada, distancia-se da condição de âncora ou porto seguro da juventude
para dar suporte na milenar dúvida humana de acreditar em algo que valha a
pena, seja na vida terrena, seja em nada no pós-morte, seja o paraíso na vida
eterna. A juventude contemporânea, que inicia a tomada de poder, nestes tempos
em que a mistificação dos objetivos materialistas dos humanos deseja poder,
dinheiro, consumismo, fama, está ancorada no ilusório ter, e não no ser, e
perde-se em meio a uma enxurrada de informações
inúteis jamais vista na história humana através dos meios de comunicação,
tornando tudo muito fugaz e extremamente confuso.
O que nos faz relembrar
Goebells, em outra frase dele que é significativa e se aplica ao tema: “Não
importa o fato, importa a versão do fato”. Ou ainda, a mais famosa de suas
criações: “Uma mentira repetida mil vezes torna-se uma verdade”. É por aí que
caminha a concretização prognosticada em diversos filmes de ficção científica,
de que o pensamento único chegará a passos largos, comandados por grupos
econômicos, religiosos e políticos. Sempre foi assim, apenas mudaram os meios
de comunicação. Nos tempos modernos, primeiro, veio o Google, depois o
Facebook, mais recentemente o WhatsApp, e quem não for de uma mesma tribo
é inimigo. No meio disso tudo chega a Inteligência Artificial que vai causar
enormes ondas de desemprego para milhões de humanos. Estamos em guerra, e a guerra é social, é
política, é econômica, e é também militar; e nas guerras a primeira vítima é a
verdade. Nesse movimento catártico não há espaço para Deus. Os algoritmos do
Google e Facebook sabem tudo sobre nós, conforme Yuval Harari: "eles
são hoje os oráculos para tudo, são oniscientes, e eles podem perfeitamente
evoluir, e se tornar agentes, e depois soberanos".
Acrescento: sim, homo deuses, sem
nenhuma ironia, e é aí que a criatura volta-se contra o Criador.
Com isso, constata-se que Nietzsche
tinha razão, Deus Morreu, só falta carimbar o atestado de óbito.
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O vinho parece bom
ResponderExcluirFaz tempo não leio um bom resumo do momento em que vivemos. Ainda assim acredito na natureza humana e sua capacidade de mudança. A história da vida é feita de solavancos. Depois que a gente cai, a gente se levanta. Cai de novo e levanta novamente e assim, de tombo em tombo, ferida em ferida, vamos cicatrizando nossos males e de modo semelhante cicatrizaremos novos Deuses. O meu é único, é o Senhor da Natureza!
ResponderExcluirMuito bom, Richard. Agora preciso reler e pensar mais a respeito.
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