quarta-feira, 9 de janeiro de 2019

Deus morreu

Richard Jakubaszko   
O dedo de Deus, e Adão, Capela Sistina, obra do gênio Michelangelo
 
A afirmação, ou constatação, foi feita pelo filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900), e aparece pela primeira vez no livro A Gaia Ciência, no século XIX, e depois reaparece na principal obra de Nietzsche, “Assim falou Zaratustra”:

“Deus está morto! Deus permanece morto! E quem o matou fomos nós! Como haveremos de nos consolar, nós os algozes dos algozes? O que o mundo possuiu, até agora, de mais sagrado e mais poderoso sucumbiu exangue aos golpes das nossas lâminas. Quem nos limpará desse sangue? Qual a água que nos lavará? Que solenidades de desagravo, que jogos sagrados haveremos de inventar? A grandiosidade deste ato não será demasiada para nós? Não teremos de nos tornar nós próprios deuses, para parecermos apenas dignos dele? Nunca existiu ato mais grandioso, e, quem quer que nasça depois de nós, passará a fazer parte, mercê deste ato, de uma história superior a toda a história até hoje!”


O estranho, e curioso, é que Nietzsche era ateu.

A história registra que quase todas as religiões têm promessas de paraísos divinos após a morte, mas também a maioria delas inclui em suas profecias a vinda – ou retorno – de um profeta, antecedida por ameaças de um Apocalipse.

Nas religiões cristãs – de maioria ocidental – encontramos o Apocalipse caracterizado nas profecias dos apóstolos em torno dos Quatro Cavaleiros (Guerra, Conquista, Fome e Morte).

Talvez Nietzsche, quando anunciou a morte de Deus, tenha embutido nisso a ideia da busca da Verdade Absoluta, ou, a Verdade da Ciência, eis que, em falta de consensos teológicos, não passaríamos de simples ilusões da verdade, para encobrir a humanidade contraditória em um mundo desprovido de Deus. Com Nietzche, seria o fim da infinita espera pela chegada dos profetas, logo após o Apocalipse, e antes da ressurreição, ou do juízo final, mas o ambientalismo, tal como tem sido acusado, de ser uma nova religião, não foge à regra. Não promete o profeta, mas garante o Apocalipse. Aliás, os ambientalistas são todos profetas...

Um ponto em comum entre todas as religiões, e também no ambientalismo, é que se percebe um moralismo radical, que embute leis ditatoriais, verdadeiros dogmas, proibições de todos os tipos para atingir-se o objetivo final, e promete-se um paraíso, e até mesmo uma vendetta, que pune os maus e premia os de bom comportamento.

Em um mundo onde já não confiamos mais em quase ninguém, nem na mídia, tampouco nas religiões, nos cientistas e governos, nos médicos, afinal, em quem poderíamos confiar, se cada um desses grupos tem uma ideia fixa de se apoderar de algo que possuímos ou daquilo que achamos que somos? Nada, simplesmente estamos sozinhos. Nascemos sozinhos e vamos morrer sozinhos.

Noam Chomsky desnuda e denuncia as estratégias de manipulação midiática, eis que “o meio é a mensagem”, conforme McLuhan. Pior ainda: que os mais jovens saibam que a história da humanidade, como a conhecemos, é mentirosa, cheia de omissões importantes, e recheada de inclusões indevidas, pois a história é escrita pelos vencedores. Mas tenho sonhos e desideratos de que isso se modifique, em contraditórios através da internet e dos livros.

Portanto, a constatação de Nietzsche de que Deus morreu é um argumento filosófico, e rebusca na sociologia argumentos para esse assassinato contemporâneo. De toda forma, serviu para discussões e debates intensos, contra e a favor, desde que foi citada pela primeira vez, e inúmeros tratados filosóficos foram escritos, com interpretações e leituras críticas, algumas com viés tão distante da realidade que mereceriam o rótulo de textos humorísticos, tamanha a imparcialidade despejada de ideias estapafúrdias. Desnecessário, talvez, registrar que sempre houve gente contra e a favor, e que realimentavam a dialética recitando os filósofos gregos, especialmente Aristóteles, com o “quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha”, para levantar a bandeira da inutilidade do debate, por uma visão agnóstica do Criador, eis que Aristóteles considerava que a galinha veio primeiro.

A transposição da ideia-chave para o campo dos criacionistas e evolucionistas, outro inconclusivo debate, foi consequência natural, até porque os primeiros humanos habitantes de nosso planeta, antes da descoberta do verbo, fato ocorrido entre 15 e 20 mil anos atrás, tinham a fé, e com esta tentaram e conseguiram impedir parcialmente a ação dos povos bárbaros inimigos. Nos primórdios de nossos antecedentes, então caçadores e coletores, já havia entre eles a noção coletiva da acumulação de bens, especialmente de alimentos, para enfrentar períodos de frio, secas e chuvas, e se havia êxito nesses propósitos os ladrões, assassinos e aproveitadores, estavam a postos para se beneficiarem, e apenas seriam brecados pela ação de Deus, que puniria a todos, conforme já descrevia a tábua de Moisés, que é coisa de cerca de 6 mil anos atrás.

Se Deus criou a humanidade, ou se a humanidade criou Deus, para Nietzsche e outros estudiosos do assunto, pouca importância há, e não faz diferença alguma. O centro da questão é que Deus está lá, em algum lugar, e comanda o espetáculo da caminhada da humanidade, ou melhor, e outorgou o livre arbítrio para decidirmos até quando disporíamos com utilidade de seu nome, seja através de nossos atos, ou das leis humanas complementares aos 10 Mandamentos.

O fato é que, nos tempos contemporâneos, com o aumento da expectativa de vida, e com o advento das tecnologias digitais, ao lado do consumismo impulsionado pelo neoliberalismo, o homo sapiens atinge o patamar de se considerar um semideus, conforme nos alerta Yuval Noah Harari em seus best sellers, Homo Sapiens e Homo Deus, prognosticando o autor, para dentro em breve, uma corrida das ciências para a conquista da imortalidade, visto como algo possível, em comparação a outros tempos, quando isso sempre foi um desiderato coletivo, ou seja, um sonho e desejo utópico. Enquanto a imortalidade não chega os cientistas tentam aumentar a expectativa média de vida, hoje perto dos 80 anos, para algo como 120 anos, porém com qualidade de vida, e com octogenários(as) com aparência de 40 anos de idade.

Essas limitações dos sonhos humanos foram explicadas e alimentadas pelas diversas religiões, em todos os tempos, e determinaram até mesmo períodos de exacerbado poder, no ocidente concentrado na religião cristã, mesmo em períodos pós-dissidentes, por exemplo, quando houve o nascimento do protestantismo através de Martinho Lutero, em plena Europa renascentista. Já nas Américas bem que os espanhóis escarafuncharam a vida de Incas, Maias e Astecas para encontrar a Fonte de Juventude. Depois, com as descobertas dos novos mundos e a evolução das ciências, adentrou a humanidade ao século XX acreditando que as tecnologias seriam o paraíso, apesar de alguns ainda julgarem que será o inferno.

Mas as religiões pentecostais continuam ativas, poderosas e autoritárias, usando e abusando do nome de Deus, e hoje estão nas TVs conquistando fiéis e doadores.

Assim, o que se percebe na chamada grande maioria dos jovens adultos é uma enorme indiferença sobre o que acontece hoje e entre as coisas que poderão nos afetar no futuro, ou aos nossos descendentes.

O egoísmo é a tônica, o fator predominante para a indiferença. Não apenas indiferença, mas o fator do desconhecimento real daquilo que seja realmente importante, o que indicaria um baixo nível cultural diante da má qualidade do ensino básico, que não prepara os jovens para o essencial da vida. Tanto isso é verdade que uma graduação em qualquer faculdade nos dias de hoje não torna o bacharel, como se dizia em outros tempos, um “doutor” na matéria, pois hoje em dia precisa fazer um mestrado e depois um doutorado para atingir o estágio do graduando de ontem.

Contudo, este é um fenômeno internacional, não apenas brasileiro, cuja causa é a superpopulação. Mas também é mera diferença de outros tempos, em que o número de anos numa faculdade e do total de estudos se amplia, mas não garante ao estudante o saber de fato os temas de sua especialidade, diante da realidade e da velocidade do avanço do conhecimento humano, que dobra a cada cinco anos, conforme registram especialistas. A indiferença dos jovens, nesse sentido, tem o aval da falta de conhecimentos e de cultura geral, despreparados na vida acadêmica para enfrentar o mundo real, pois a grande maioria das faculdades não ensina a pensar, elas apenas cumprem de forma burocrática uma extensa e intrincada grade curricular, em que pelo menos um terço das disciplinas poderia ser deixado de lado, sem prejuízo do aprendizado especializado. O tema é vastíssimo, além de polêmico, mas nos permite explicar e até mesmo justificar a indiferença dessa geração de jovens contemporâneos, pois estão indecisas, estão perdidas, atoladas em excessos de informações inúteis e manipuladas, vinculadas a interesses difusos.

Atualmente, com as sucessivas crises, ficou difícil ter. Vivemos o aparentar que temos (comprando carros em suaves prestações de 70 meses), e até aparentar que se tem é difícil. O que gera multidões de frustrados, angustiados e neuróticos. A maioria com altíssimas dívidas nos cartões de crédito e no cheque especial. Se tivéssemos um indicador social de felicidade humana que fosse aceito por todos, não seria difícil medir esse índice de (in)felicidade (tem o FIB – felicidade interna bruta). A questão é que muitas vezes a gente nem percebe, mas existem esses indicadores, chamam-se tóxicos, alguns legalizados, e outros não, pois há bebida alcoólica, crack, cocaína, maconha, LSD, ansiolíticos, calmantes, Prozacs, estes últimos legalizados, e a maconha, agora a pedidos e por passeatas, por legalizar, etc. e etc. E muita neurose.

De outro lado, nos caberia ainda questionar Gramsci, o filósofo e político comunista italiano que escreveu “Odeio os indiferentes”, e que acreditava que “viver significa tomar partido”. Como não ser indiferente diante do mundo contemporâneo, que nos engana, esmaga com mentiras e engodos oficializados, seja da mídia, da Igreja, da Justiça, e especialmente dos governos democraticamente eleitos, mas sempre a serviço dos poderosos e das elites econômicas? Como não ser indiferente diante da hipocrisia politicamente correta, impregnada de moralismos, que policia os comportamentos, monitora os inadaptados, isola os contestadores ou de quem se atreve a levantar a voz ou duvidar de um porta-voz da elite?

Os professores, especialmente no Brasil, a partir da privatização do ensino nos anos 1970, viram-se desprovidos do poder de reprovar os alunos, perderam respeito e importância diante dos alunos. Os alunos passaram a ser “clientes”, e exigem “direitos”, sem a contrapartida do dever de estudar e aprender. O nível e a qualidade do ensino caíram, vale apenas o “ter o diploma”.

A verdade nua e crua é essa, nós humanos não temos um Manual de Instruções para a vida. Vamos aos tropeços, caímos e levantamos o tempo todo. Por vezes, uma queda nos estropia por inteiro, física e espiritualmente, e levamos mais tempo para levantar, mas recuperamos e vamos em frente, porque o show da vida tem de continuar. No coletivo, os humanos sequer aprendem com os erros da história, ou com os erros de outros humanos, e por causa disso repetem-se os mesmos erros. Os adultos preocupam-se pelas leis de seus manuais, mais com o que os outros pensam e fazem ou deixam de fazer.

Particularmente, cá do meu Manual, acho que se todos dedicassem um tempo para aprender sobre o conteúdo ideal que um Manual de Instruções dos humanos deveria ter, e a cuidar do próprio rabo, o mundo seria bem melhor. A vida em si é muito complicada, diferente em cada um, e essa individualidade e diversidade humana já bilionária do planeta hoje talvez seja a explicação para as razões do Criador não nos fornecer o tal Manual de Instruções.
Fico na dúvida sobre a existência ou não do determinismo e do livre arbítrio, ou as duas coisas. Dou créditos a Drummond:

Se procurar bem, você acaba encontrando não a explicação (duvidosa) da vida, mas a poesia (inexplicável) da vida”.

Posto isto, como acreditar em ONGs, de que devemos proibir a construção de hidrelétricas? Os caminhos alternativos que nos propõem, para não ficarmos no escuro e improdutivos, são soluções paliativas, como as energias eólicas e solares. Ou hipócritas e altamente perigosas, como a energia nuclear, que pode destruir tudo pela simples falha de um bêbado imbecil (como em Chernobyl). Ou por imprevistos acidentes geológicos da caprichosa natureza, como tsunamis.
Como acreditar na ameaça sem provas científicas de um aquecimento e de mudanças climáticas, endossados pelo IPCC?

Como se faz para parar a onda imbecilizante e do patrulhamento politicamente correto do ambientalismo, que ameaça travar o progresso humano? Os ambientalistas não são indiferentes... Eles são participantes, ativos, briguentos e lutadores, é notório isso, e devemos reconhecer essa verdade. Indiferentes são os outros, o “resto” da humanidade, que é a maioria silenciosa, talvez a maioria imbecilizada pela televisão e pela mídia. Gente domesticada, nada mais, a serviço de grupos e de elites gananciosas.

A única luz ao final do túnel, em minha modesta maneira de ver, é reduzir a velocidade dos índices de crescimento demográfico, apesar de estarmos em cima da hora. Mas quem se atreve a isso? Os políticos? Não, eles querem votos! A mídia, ou as empresas? Não, eles representam negócios, lucros, e com mais gente por aí terão mais consumidores! Os religiosos? Não, eles querem mais almas para salvar, e para contribuir aos cofres sagrados que garantem o poder.

É difícil, portanto, caríssimo Gramsci, bem sobreviver no mundo moderno, sem abanar o rabo aos poderosos. Belas e importantíssimas foram as suas palavras, que nos chegaram lá dos idos de 1917, em que afirma: 

"A indiferença atua poderosamente na história. Atua passivamente, mas atua. É a fatalidade; e aquilo com que não se pode contar; é aquilo que confunde os programas, que destrói os planos mesmo os mais bem construídos; é a matéria bruta que se revolta contra a inteligência e a sufoca, porque a massa dos homens abdica da sua vontade, deixa de fazer, deixa enrolar os nós que, depois, só a espada pode desfazer. A fatalidade, que parece dominar a história, não é mais do que a aparência ilusória desta indiferença. Há fatos que amadurecem na sombra, porque poucas mãos, sem qualquer controle a vigiá-las, tecem a teia da vida coletiva, e a massa não sabe, porque não se preocupa com isso. Os destinos de uma época são manipulados de acordo com visões limitadas e com fins imediatos, de acordo com ambições e paixões pessoais de pequenos grupos ativos, e a massa dos homens não se preocupa com isso."

Lembrete importante: Gramsci dizia odiar os omissos.

Podemos raciocinar sobre essas questões de outra maneira, eis que a família moderna, cada vez mais desestruturada, distancia-se da condição de âncora ou porto seguro da juventude para dar suporte na milenar dúvida humana de acreditar em algo que valha a pena, seja na vida terrena, seja em nada no pós-morte, seja o paraíso na vida eterna. A juventude contemporânea, que inicia a tomada de poder, nestes tempos em que a mistificação dos objetivos materialistas dos humanos deseja poder, dinheiro, consumismo, fama, está ancorada no ilusório ter, e não no ser, e perde-se em meio a uma enxurrada de informações inúteis jamais vista na história humana através dos meios de comunicação, tornando tudo muito fugaz e extremamente confuso.

O que nos faz relembrar Goebells, em outra frase dele que é significativa e se aplica ao tema: “Não importa o fato, importa a versão do fato”. Ou ainda, a mais famosa de suas criações: “Uma mentira repetida mil vezes torna-se uma verdade”. É por aí que caminha a concretização prognosticada em diversos filmes de ficção científica, de que o pensamento único chegará a passos largos, comandados por grupos econômicos, religiosos e políticos. Sempre foi assim, apenas mudaram os meios de comunicação. Nos tempos modernos, primeiro, veio o Google, depois o Facebook, mais recentemente o WhatsApp, e quem não for de uma mesma tribo é inimigo. No meio disso tudo chega a Inteligência Artificial que vai causar enormes ondas de desemprego para milhões de humanos. Estamos em guerra, e a guerra é social, é política, é econômica, e é também militar; e nas guerras a primeira vítima é a verdade. Nesse movimento catártico não há espaço para Deus. Os algoritmos do Google e Facebook sabem tudo sobre nós, conforme Yuval Harari: "eles são hoje os oráculos para tudo, são oniscientes, e eles podem perfeitamente evoluir, e se tornar agentes, e depois soberanos".

Acrescento: sim, homo deuses, sem nenhuma ironia, e é aí que a criatura volta-se contra o Criador.

Com isso, constata-se que Nietzsche tinha razão, Deus Morreu, só falta carimbar o atestado de óbito.


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3 comentários:

  1. Faz tempo não leio um bom resumo do momento em que vivemos. Ainda assim acredito na natureza humana e sua capacidade de mudança. A história da vida é feita de solavancos. Depois que a gente cai, a gente se levanta. Cai de novo e levanta novamente e assim, de tombo em tombo, ferida em ferida, vamos cicatrizando nossos males e de modo semelhante cicatrizaremos novos Deuses. O meu é único, é o Senhor da Natureza!

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  2. Muito bom, Richard. Agora preciso reler e pensar mais a respeito.

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