Causou impacto, recentemente, a invenção do hambúrguer de laboratório. Pudera! Ninguém imaginava que as pesquisas com células-tronco, reconhecidas na saúde humana, pudessem produzir algo parecido com uma fábrica de carne. Assunto empolgante.
Existe forte movimento científico, puxado por pesquisadores heterodoxos, tentando descobrir novas fontes de proteína, necessárias para vencer o desafio alimentar da humanidade. Segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO/ONU), a demanda por comida de boa qualidade aumentará, no mínimo, 60% até 2050. Crescimento populacional, urbanização, aumento de renda e elevação da expectativa de vida das pessoas são os fatores principais desse movimento.
A previsão negativa de Malthus, feita em 1798, ficou famosa na História da humanidade. Mas não vingou. A agricultura conseguiu vencer o dilema entre o crescimento populacional e a oferta de alimentos, seja expandindo as terras cultivadas, seja, simultaneamente, elevando sua produtividade por área por meio da incorporação de tecnologia. A fome que, desgraçadamente, ainda persiste alhures se deve à má distribuição da renda entre as famílias, não à incapacidade de produção rural. Problema econômico, não agronômico.
Porém, mesmo passando por sucessivas “revoluções verdes”, parecem agora surgir dificuldades adicionais para a agropecuária prosseguir em sua saga vitoriosa. Primeiro, porque os reclamos ambientais da modernidade limitam a incorporação de novas terras, ainda florestadas, à produção, conforme se percebe claramente no Brasil. A opinião pública, ao contrário do passado, não quer o desmatamento. Antes inexistiam limites à força expansiva no campo e, assim, todas as terras cultiváveis da Europa, do Oriente Médio, dos Estados Unidos, do Japão, da China e da Índia acabaram cedendo sua natural biodiversidade ao plantio e à criação. Floresceram as cidades.
Comparadas ao Velho Mundo, na América Latina a urbanização e a expansão da agropecuária se deu tardiamente. De forma semelhante, em muitos países asiáticos, como a Malásia e a Indonésia, e na maioria da África a ocupação produtiva do território somente agora é que ocorre para valer. Existe ainda, nesses países, disponibilidade de terras aráveis. Mas a grita da sociedade em favor da preservação ambiental restringe a sua ocupação. O machado, ou a motosserra, perderam totalmente o prestígio.
Em segundo lugar, em vastas localidades surgem restrições à continuidade da boa prática agrícola. O risco aterrador da desertificação pode atingir, ao final deste século, 40% da superfície terrestre. Na África, a degradação nos países subsaarianos periga afetar até 50% do território. Na Ásia e na América Latina, estimam-se 357 milhões de hectares prejudicados. Segundo a teoria do aquecimento global, cerca de metade das terras produtivas sofrerá com graves secas. O equilíbrio hídrico compromete-se pelo rebaixamento do lençol freático ao norte da China, onde residem 550 milhões de pessoas. Na Austrália é a salinização dos solos o grande vilão. Só notícia ruim.
Existem outros fatores. Economistas agrários mostram que os chamados “ganhos marginais” do avanço tecnológico são decrescentes, quer dizer, será cada vez mais difícil incrementar a produtividade da terra. Argumenta-se também, com certa razão, que o confinamento de animais está elevando o uso de rações balanceadas, fabricadas à custa da produção de grãos, especialmente soja, milho e sorgo. Se, por hipótese, fosse eliminado o consumo de carne, como apregoam os vegetarianos, sobrariam mais cereais no mundo, embora isso alterasse a qualidade na dieta humana. Por fim, muito alimento está sendo direcionado para o consumo dos bichos de estimação, cães e gatos, cuja população só aumenta.
Por essas e outras, um novo paradigma alimentar se gesta nos ousados laboratórios. Não apenas se sintetiza carne, como também se buscam fontes de proteína não convencionais. Nessa equação futurista, os insetos colocam-se na dianteira. Gafanhotos, besouros, baratas, grilos, formigas apresentam, em média, cerca de 50% de proteína em seus organismos, o dobro da encontrada nas carnes de mamíferos e aves, cinco vezes mais que em cereais ou batata. Ademais, seus esqueletos pectíneos se mostram ricos em ferro e vitaminas. Com elevada capacidade de reprodução, prevê-se facilidade na criação de insetos, possibilitando ter volume e rendimento na produção. Vem aí a insetocultura.
A entomofagia, quer dizer, a prática de ingerir insetos, sugere asco. Mas para muitas populações tradicionais eles são iguaria. No Vale do Paraíba paulista, abdomes da formiga saúva, conhecidos como bunda de içá, comem-se na frigideira há tempos. No Maranhão, larvas de besouro (boró ou gongo) encontradas no coco do babaçu são consumidas desde as origens indígenas. Noutras regiões do mundo, insetos também fazem parte do costume alimentar. No Japão fazem-se pratos com as cantantes cigarras, abatidas antes que sua casca endureça. Na Indonésia apreciam-se as libélulas. No México, ovos de formigas negras gigantes denominam-se “caviar dos insetos”. Os vietnamitas e os chineses gostam de escorpiões. Grande é a lista de esquisitices entomofágicas.
Tudo depende do costume alimentar, que muda com o tempo. Hoje em dia se ingerem petiscos indecifráveis como nuggets, kani, snacks, sem que as pessoas tenham ideia do seu conteúdo, cor e sabor artificiais. Precisando, acostumar-se-iam com uma farofa de besouro, bem temperada. Tem mais. Algas, micro-organismos, vermes, cascas, componentes ricos em proteínas, calorias e vitaminas, entraram na agenda da comida do futuro. Na mira do gourmet.* O autor é agrônomo, foi secretário de Agricultura e secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo. E-mail: xicograziano@terra.com.br
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