Richard Jakubaszko
O
mundo contemporâneo tem reservado surpresas incômodas e insólitas tanto para
produtores rurais como para os cidadãos urbanos na questão da posse e
uso da terra.
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Máquinas na Agrishow, Ribeirão Preto/2012, que
descortina uma visão inédita para urbanos e ruralistas. |
Na região de Ribeirão Preto (ao norte de SP), também conhecida como a "califórnia brasileira", as fronteiras agrícolas e urbanas andam chegando aos limites do inimaginável até poucos anos atrás. Não se sabe mais quem "invade" o espaço do outro.
No campo, os produtores rurais costumam comentar que as cidades crescem de forma enlouquecida, "andam se expandindo além da conta". Culpa do crescimento demográfico, explicam os sociólogos e geógrafos, e argumentam que esse fenômeno não é exclusivo de Ribeirão Preto, mas acontece Brasil adentro, em todas as regiões. No Brasil Central, por exemplo, cidades novas surgem do nada quase que de um dia pro outro. De um pequeno aglomerado de casas evolui para povoado, logo é um município e tem até prefeito, eleição. Se a região é dominada pela agricultura, onde as riquezas circulam afoitas, rapidamente aparece infraestrutura básica como ruas, luz elétrica, telefonia, canalização de água e esgoto, comércio, escolas, hospitais.
Conflitos
Torna-se exemplar o caso da jornalista Bete Cervi, moradora no
município de Santa Rosa do Viterbo, norte do Estado de São Paulo, na área de influência de Ribeirão Preto, onde
reside em uma casa há mais de 20 anos, construída então na periferia da
pequena cidade, de 23 mil habitantes.
De
seu quintal Bete podia vislumbrar as atividades agrícolas da Usina
Amália, então pertencente ao Grupo Matarazzo, no plantio e colheita da
cana, além de outros produtores de laranja e hortaliças. A
vida corria tranquila e sem maiores percalços até a Usina Amália ser
arrendada, parte para a Usina da Pedra (Serrana) e parte para a Usina Santa Rita,
de Santa Rita do Passa Quatro.
As
usinas chegaram com novas tecnologias e conceitos agronômicos e o
canavial cresceu, ficou mais próximo da casa de Bete Cervi. Antes ficava
a uns 500 a 700 metros de distância, atualmente está a menos de 300 metros.
Em
abril último pulverizaram o canavial com
um maturador e os problemas começaram, pois houve deriva. As laranjas e
pitangas do quintal de Bete Cervi não frutificaram, outras perderam
floradas, e também os vizinhos produtores de hortaliças registraram
inúmeros prejuízos por causa da deriva das pulverizações. A jornalista diz que seu pomar ficou estéril pelo uso de maturador no canavial da usina.
Questionada
sobre quem chegara primeiro, Bete Cervi foi enfática: “eu cheguei
primeiro, o canavial veio muito tempo depois”. Com isso, o que seria um
corriqueiro e pequeno problema, e que se repete no Brasil inteiro, em
todas as fronteiras agrícolas, torna-se um drama que deve crescer de
proporções para os antigos moradores da nova fronteira agrícola de Santa
Rosa Viterbo.
Mas
Bete Cervi é apenas um pequeno exemplo. Diariamente os pequenos, mas
importantes acidentes, ocorrem e delineiam um novo patamar de
relacionamento e convivência entre produtores rurais e cidadãos urbanos.
A população urbana cresce a olhos vistos, as cidades incham e
espalham-se notavelmente com seus novos moradores. Estes precisam de
alimentos, e agora também de biocombustíveis, aos quais os produtores
rurais respondem plantando, não apenas em novas e cada vez mais
distantes fronteiras agrícolas, lá onde o dito cujo perdeu as botas e
onde não existe infraestrutura de nada. Mas a produção agrícola cresce
também em novas áreas, cada vez mais próximas às urbes, reduzindo a distância
entre essas fronteiras.
Há
também uma curiosa diferença da linguagem e do entendimento, um vizinho fala em
hectare (100 x 100 = 10 mil m2), o outro em metro quadrado. O diálogo torna-se difícil em razão
dos interesses e necessidades. A questão reside não na ótica de quem
chegou primeiro, ou de quem tem mais direitos, mas em como conviver de
forma pacífica e harmoniosa nessas novas fronteiras, de parte a parte.
Ao mesmo tempo, era previsível que o novo Código Florestal, aprovado em 2012, iria limitar o uso de
tradicionais áreas de produção agrícola, reduzindo alternativas e
encarecendo o valor das terras.
Conforme o advogado, agropecuarista e corretor de imóveis rurais Atílio Benedini, de Ribeirão Preto, o preço de venda de 1 hectare de terra nua para lavoura na região de Ribeirão Preto varia de forma espantosa, entre R$ 25 a R$ 40 mil reais o que depende se a área tem benefícios como água, asfalto na porteira, luz elétrica ou distância da cidade.
Ao mesmo tempo o Código Florestal criou a figura agronômica-jurídica da Reserva Legal, obrigando os produtores de cada bioma a manterem intactos 20% da área da propriedade, para efeito de conservação ambiental, mesmo sendo essas reservas localizadas fora da propriedade. Nesses casos, os produtores rurais de Ribeirão Preto adquirem áreas em topos de morro, onde a agricultura é impraticável, e o local é indesejado pelos urbanos. Lá, pagam de R$ 8 até R$ 20 mil por 1 hectare, para cumprir a lei. Para se ter uma ideia, não longe dali, no Sul de Minas Gerais, 1 hectare de terra nua para lavoura custa de R$ 12 até R$ 15 mil reais. Criou-se, assim, como diz Benedini, "um mercado ficcional de terras. Terra improdutiva, uso exclusivo do meio ambiente, mas muito valorizada".
Os
vizinhos fronteiriços terão novos e futuros problemas. Parecem ignorar que um precisa do outro, mas prefeririam, se pudessem, manter-se à distância.
Cada
vez mais as fronteiras das lavouras e das urbes reduzem espaços. É
um conflito que deve crescer de proporções para os habitantes dessas novas fronteiras
agrícolas.
Não é exagero prever que no médio prazo ambos os lados serão perdedores nessa disputa.
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Lamentável verdade, triste realidade da saga humana.
ResponderExcluirAna Piemonte, Vacaria