quinta-feira, 4 de novembro de 2021

Finados

Evaristo de Miranda *

Feno de Luz

No Finados celebra-se a memória dos falecidos. Eles chegaram ao fim do seu tempo. É dia solene, consagrado à lembrança de antepassados, ascendentes e de todos os mortos. Neste feriado, amplamente celebrado no mundo, não se trabalha. O país se consagra a meditar, a lembrar. E você?

Alguns não respeitam este feriado. Não lhes diz nada. Não corresponde a evento ou personagem de seu interesse. Profanadores desta data esquecem seus ascendentes, seus antepassados. Perdem a memória e, sem querer, profanam a si mesmos. Tiveram pai, mãe, avós, bisavós... e imaginam-se começando em si mesmos. Os filhos do nada são sementes do caos.

Finar evoca o findar. Os finados foram ceifados no seu tempo. O feno é a erva ceifada. Alimenta os animais em períodos difíceis de inverno ou seca. Na Bíblia, o homem é comparado à erva do campo. Finar e fenar são semelhantes. Feno vem do grego phaíno: brilhar, aparecer. A reluzente lâmina da morte não apagou os finados, apenas os igualizou diante das leis da natureza. A foice simboliza os ciclos de colheita e renovação. Na colheita se corta o caule. Como cordão umbilical, ele liga o fruto à dependência da terra alimentadora. Na colheita, o grão é condenado à morte para servir de alimento, sustentar a vida ou germinar como semente.

Os mortos não se apagam, se durante a vida cortaram com a foice da consciência as ilusões do mundo e de seu próprio egoísmo. Seus exemplos os fazem brilhar na lembrança dos que amaram e os amaram. A claridade de seus exemplos brilha como estrelas. Ajuda os vivos a atravessar períodos desfavoráveis, alimentando-os de sua luz. Mesmo se foi trêmula, como a da vela, com hesitação e beleza. Não viveram apagados. Fizeram um trabalho de luz. Sua memória é facho e feixe de luz. Finados é dia de acender velas e de harmonia. A harmonia é a tensão da luz ao vencer trevas e escuridão.

Finados é dia de visitar cemitérios, limpar e ajeitar os túmulos, acender uma vela na igreja ou em casa, pronunciar uma oração, fazer pelo menos um minuto de silêncio e meditar. Crianças órfãs crescem com a memória viva dos pais falecidos. Adultos, com o passar dos anos, colecionam seus mortos. E na velhice, todos se tornam órfãos. Ritualizar a lembrança dos mortos é terapêutico. Os mortos são a presença de uma ausência e não ausência de uma presença. Os ritos profanos e sagrados dão uma outra perspectiva ao tempo (kairós). Existe um tempo para tudo.
 

* o autor é engenheiro agrônomo e doutor em ecologia, Chefe Geral da Embrapa Territorial – Campinas – SP.

 

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