Richard Jakubaszko
A presidente Dilma Rousseff emitiu nota hoje pela manhã e chamou de falsas as informações contidas no jornal O Estado de São Paulo de hoje (30/5/2012 - 1ª pg e na pg A7) e de sua versão eletrônica. A notícia do Estadão atribui à presidente Dilma a afirmação de que haveria uma crise institucional entre o Executivo e o Judiciário, após receber ontem em audiência o presidente do STF, ministro Ayres Britto. Segundo o jornal, a audiência seria em virtude da crise aberta pelo ministro do STF, Gilmar Mendes em polêmica pública com Lula.
De acordo com a revista Veja, Gilmar Mendes acusou Lula de chantagista, na edição do último fim-de-semana, e nesta semana o ministro do STF voltou aos holofotes e afirmou em entrevistas às TVs que "o cara" é o emissor e a fonte de mentiras divulgadas contra ele. Tudo isso, conforme Gilmar Mendes, porque ele "inferiu" as palavras de Lula, ditas há um mês atrás, palavras, aliás, desmentidas pelo ex-ministro Jobim, anfitrião do encontro dos dois, em seu escritório em Brasília.
Nos tempos contemporâneos é a primeira vez que assisto alguém de Brasília, especialmente da Presidência da República, chamar um órgão da imprensa como mentiroso.
Precisa coragem para fazer isto.
De toda forma, o ministro Gilmar Mendes ainda não explicou porque ficou calado por mais de um mês. E mais, porque Gilmar Mendes ainda não chamou o ex-ministro Jobim de mentiroso, pois foi desmentido publicamente...
Acho que estava certo o jurista Dalmo Dallari quando avisou (10 anos atrás) aos seus pares de que a indicação de Gilmar Mendes para o STF, pelo ex-presidente FHC, seria um enorme desastre político e jurídico.
Leia a íntegra da nota
A Presidência da República informa que são no todo falsas as
informações contidas na reportagem que, em uma de suas edições, apareceu
com o título "Para Dilma, há risco de crise institucional", publicada
hoje no diário O Estado de S. Paulo. Em especial, a audiência de ontem
da presidenta Dilma Rousseff com o presidente do Supremo Tribunal
Federal, Ayres Britto, tratou do convite ao presidente do STF para
participar da Rio+20 e de assuntos administrativos dos dois poderes.
Reiteramos que o conjunto da matéria e, em especial, os comentários
atribuídos à presidenta da República citados na reportagem são
inteiramente falsos.
Contrariando a prática do bom jornalismo, o Estadão não procurou a
Secretaria de Imprensa da Presidência para confirmar as informações
inverídicas publicadas na edição de hoje. Procurada a respeito da
audiência, a Secretaria de Imprensa da Presidência informou ao jornal
Estado de S. Paulo e à toda a imprensa que, no encontro, foram tratados
temas administrativos e o convite à Rio+20.Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República
COMENTÁRIO DO BLOGUEIRO:
Por entender que a liberdade de imprensa só ocorre em sua plenitude quando há direito de resposta, este blogueiro abre espaço, de forma voluntária, à tréplica do jornal O Estado de São Paulo.
No meio da tarde de hoje o jornal Estadão divulgou nota, dando resposta à nota da Presidência da República:
"O Estado está seguro da apuração que fez e mantém a
informação publicada sobre a preocupação do governo com o episódio e seu
potencial de risco político, a despeito do desmentido oficial.
A matéria publicada pelo Estado é fruto de apuração junto a
fontes credenciadas do governo e desenvolvida desde a divulgação do teor da
conversa entre o ex-presidente Lula e o ministro Gilmar Mendes. Segundo essas
fontes, o fato preocupou profundamente a presidente Dilma Rousseff pelo seu
potencial de crise. Dentro e fora do Palácio do Planalto é corrente a leitura
de que é preciso evitar o envolvimento do governo com o assunto, raiz da
orientação presidencial de silêncio sobre o tema.
A audiência entre a presidente e o ministro Ayres Britto,
nesta terça-feira, 30, foi marcada a pedido deste em razão de sua posse como
presidente do Supremo Tribunal Federal. Foi, portanto, o primeiro encontro
formal de ambos na condição de dirigentes máximos dos dois poderes da
República, quando a pauta é de natureza necessariamente institucional.
Diante da crise política deflagrada depois do encontro entre
o ex-presidente Lula e o ministro Gilmar Mendes, é natural que a versão oficial
da reunião entre a presidente Dilma e o presidente do STF enfatize o evento
Rio+20, embora este não tenha ocupado a pauta mais que o tempo necessário ao
convite a Britto para o evento."
Ricardo Gandour
Diretor de Conteúdo do Grupo Estado
COMENTÁRIO DO BLOGUEIRO:
Por oportuno, publico abaixo o artigo do jurista Dalmo Dallari:
FOLHA DE SÃO PAULO, EM 8 DE MAIO DE 2002
SUBSTITUIÇÃO NO STF
Degradação do Judiciário
DALMO DE ABREU DALLARI
Nenhum Estado moderno pode ser considerado democrático e civilizado
se não tiver um Poder Judiciário independente e imparcial, que tome por
parâmetro máximo a Constituição e que tenha condições efetivas para
impedir arbitrariedades e corrupção, assegurando, desse modo, os
direitos consagrados nos dispositivos constitucionais.
Sem o respeito aos direitos e aos órgãos e instituições encarregados
de protegê-los, o que resta é a lei do mais forte, do mais atrevido, do
mais astucioso, do mais oportunista, do mais demagogo, do mais
distanciado da ética.
Essas considerações, que apenas reproduzem e sintetizam o que tem
sido afirmado e reafirmado por todos os teóricos do Estado democrático
de Direito, são necessárias e oportunas em face da notícia de que o
presidente da República, com afoiteza e imprudência muito estranhas,
encaminhou ao Senado uma indicação para membro do Supremo Tribunal
Federal, que pode ser considerada verdadeira declaração de guerra do
Poder Executivo federal ao Poder Judiciário, ao Ministério Público, à
Ordem dos Advogados do Brasil e a toda a comunidade jurídica.
Se essa indicação vier a ser aprovada pelo Senado, não há exagero em
afirmar que estarão correndo sério risco a proteção dos direitos no
Brasil, o combate à corrupção e a própria normalidade constitucional.
Por isso é necessário chamar a atenção para alguns fatos graves, a fim
de que o povo e a imprensa fiquem vigilantes e exijam das autoridades o
cumprimento rigoroso e honesto de suas atribuições constitucionais, com a
firmeza e transparência indispensáveis num sistema democrático.
Segundo vem sendo divulgado por vários órgãos da imprensa, estaria
sendo montada uma grande operação para anular o Supremo Tribunal
Federal, tornando-o completamente submisso ao atual chefe do Executivo,
mesmo depois do término de seu mandato. Um sinal dessa investida seria a
indicação, agora concretizada, do atual advogado-geral da União, Gilmar
Mendes, alto funcionário subordinado ao presidente da República, para a
próxima vaga na Suprema Corte. Além da estranha afoiteza do presidente
-pois a indicação foi noticiada antes que se formalizasse a abertura da
vaga-, o nome indicado está longe de preencher os requisitos necessários
para que alguém seja membro da mais alta corte do país.
É oportuno lembrar que o STF dá a última palavra sobre a
constitucionalidade das leis e dos atos das autoridades públicas e terá
papel fundamental na promoção da responsabilidade do presidente da
República pela prática de ilegalidades e corrupção.
É importante assinalar que aquele alto funcionário do Executivo
especializou-se em “inventar” soluções jurídicas no interesse do
governo. Ele foi assessor muito próximo do ex-presidente Collor, que
nunca se notabilizou pelo respeito ao direito. Já no governo Fernando
Henrique, o mesmo dr. Gilmar Mendes, que pertence ao Ministério Público
da União, aparece assessorando o ministro da Justiça Nelson Jobim, na
tentativa de anular a demarcação de áreas indígenas. Alegando
inconstitucionalidade, duas vezes negada pelo STF, “inventaram” uma tese
jurídica, que serviu de base para um decreto do presidente Fernando
Henrique revogando o decreto em que se baseavam as demarcações. Mais
recentemente, o advogado-geral da União, derrotado no Judiciário em
outro caso, recomendou aos órgãos da administração que não cumprissem
decisões judiciais.
Medidas desse tipo, propostas e adotadas por sugestão do
advogado-geral da União, muitas vezes eram claramente inconstitucionais e
deram fundamento para a concessão de liminares e decisões de juízes e
tribunais, contra atos de autoridades federais.
Indignado com essas derrotas judiciais, o dr. Gilmar Mendes fez
inúmeros pronunciamentos pela imprensa, agredindo grosseiramente juízes e
tribunais, o que culminou com sua afirmação textual de que o sistema
judiciário brasileiro é um “manicômio judiciário”.
Obviamente isso ofendeu gravemente a todos os juízes brasileiros
ciosos de sua dignidade, o que ficou claramente expresso em artigo
publicado no “Informe”, veículo de divulgação do Tribunal Regional
Federal da 1ª Região (edição 107, dezembro de 2001). Num texto sereno e
objetivo, significativamente intitulado “Manicômio Judiciário” e
assinado pelo presidente daquele tribunal, observa-se que “não são
decisões injustas que causam a irritação, a iracúndia, a irritabilidade
do advogado-geral da União, mas as decisões contrárias às medidas do
Poder Executivo”.
E não faltaram injúrias aos advogados, pois, na opinião do dr. Gilmar
Mendes, toda liminar concedida contra ato do governo federal é produto
de conluio corrupto entre advogados e juízes, sócios na “indústria de
liminares”.
A par desse desrespeito pelas instituições jurídicas, existe mais um
problema ético. Revelou a revista “Época” (22/4/ 02, pág. 40) que a
chefia da Advocacia Geral da União, isso é, o dr. Gilmar Mendes, pagou
R$ 32.400 ao Instituto Brasiliense de Direito Público -do qual o mesmo
dr. Gilmar Mendes é um dos proprietários- para que seus subordinados lá
fizessem cursos. Isso é contrário à ética e à probidade administrativa,
estando muito longe de se enquadrar na “reputação ilibada”, exigida pelo
artigo 101 da Constituição, para que alguém integre o Supremo.
A comunidade jurídica sabe quem é o indicado e não pode assistir
calada e submissa à consumação dessa escolha notoriamente inadequada,
contribuindo, com sua omissão, para que a arguição pública do candidato
pelo Senado, prevista no artigo 52 da Constituição, seja apenas uma
simulação ou “ação entre amigos”. É assim que se degradam as
instituições e se corrompem os fundamentos da ordem constitucional
democrática.
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