terça-feira, 21 de março de 2017

Agroecologia: discutir é preciso!


Zander Soares de Navarro *
O portal principal da Embrapa disponibilizou esta semana, no "Conexão Ciência", uma entrevista com uma colega pesquisadora, que discorre sobre o tema "transição agroecológica".

Entendo que se trata de uma importante entrevista, a qual deveria ser discutida em nossas unidades, entre os pesquisadores e analistas. Caso ocorra esse debate, sugiro cinco perguntas que poderiam orientar parte das discussões:

(a) em certo momento, a pesquisadora comenta que esta chamada "transição" deriva de (segundo ela) um "campo científico" que seria a agroecologia. A pergunta: seria possível, por favor, provar que se trata de ciência? Se sim, quais são os seus autores, publicações, conceitos, enfim, qual a "problemática teórica" que orientaria a agroecologia? Ou será que poderia existir uma ciência sem tal problemática (e, portanto, seu arcabouço analítico)? E, não existindo esta ciência (como entendo que não existe), por que a Embrapa apoia projetos que não tem fundamentação científica?

(b) a sugestão prática oferecida aos agricultores, pela agroecologia, é "aumentar a complexidade", ampliando os seus sistemas produtivos, com a diversificação dos cultivos e as criações no interior da propriedade. Nesse caso, a pergunta é simples: por que apenas os agricultores brasileiros preferirão a complexidade, ao contrário de todo o restante do planeta? Como sociólogo, esta é sugestão que causa perplexidade, pois desconheço na literatura esse "achado antropológico" que comprovaria a maior capacidade de nossos agricultores de lidar (e gostar) da complexidade. Se examinadas as agriculturas de todos os demais países que modernizaram o setor (ampliando a produção e a produtividade), pelo contrário, o que ocorreu sempre foi a simplificação produtiva, porque a atividade se tornou, sim, bastante complexa- mas em sua administração econômico e financeira. Em decorrência, no tocante ao sistema produtivo, pelo contrário, a especialização produtiva se tornou a marca dessas agriculturas. Propor que os agricultores optem também pela complexidade produtiva, além da tecnológica e da econômica, sugere que nossos agricultores seriam super-heróis, os únicos capazes de lidar com qualquer tipo de complexidade. Onde existe a comprovação desse comportamento social?

(c) ampliar a diversidade produtiva requer, necessariamente, maior uso do trabalho. Em um período sob o qual estamos observando, pelo contrário, o esvaziamento populacional no campo brasileiro e o custo do trabalho vai se tornando mais caro, como os produtores, especialmente os médios e os pequenos, pagarão a conta? Pergunta: de onde virá o fator trabalho que cresce com a diversidade produtiva? Ou será que a agroecologia é apenas para os produtores mais ricos, que contratarão firmas especializadas para administrar esta formidável complexidade?

(d) a proposta implicitamente tem um componente social (e moral) que também precisa ser discutido abertamente. Ampliar a diversidade produtiva interna aos estabelecimentos claramente recomenda às famílias rurais que procurem o "cansaço de seu trabalho", pois precisarão trabalhar muito mais, exaurindo-se como seres humanos. Há uma implicação moral nesta sugestão, que é tratar as famílias rurais como se fossem um tanto idiotas, pois preferirão a exaustão que a complexidade produtiva necessariamente implicará. Pergunta: não existiria aqui uma suposição moral altamente condenável nesta proposta?

(e) por fim, o aspecto mais grave a ser discutido. A proposta, cuja finalização concreta ninguém sabe exatamente dizer quando ocorreria, também supõe que as famílias rurais não se movem pela busca de renda. Ou seja, mais uma vez, os determinantes econômicos são ignorados em nome de uma "ambição ambiental", que seria determinante. Mas será isso o que as famílias rurais almejam? Querem ser felizes em meio à diversidade vegetal e animal de suas propriedades, mas continuando pobres, com rendas mais baixas? Não existiria aqui um insensato irrealismo? Por que os proponentes da agroecologia não consultam as famílias rurais sobre as suas ambições e sonhos e continuam a insistir com propostas que são distantes da realidade? Pergunta: em uma atividade econômica, como a agropecuária, como ignorar os determinantes econômicos e financeiros?
 

A analogia do tema acima com outro grande tema ora difundido na Embrapa assoma a olhos vistos. Refiro-me à proposta de "integração lavoura-pecuária-floresta", uma iniciativa que padece dos mesmos desafios acima arrolados.

No fundo, caros colegas, esse debate se torna relevante porque a Embrapa está se distanciando, cada vez mais, das realidades concretas e práticas da produção agropecuária, da vida social rural e, sobretudo, da compreensão acerca dos comportamentos sociais e os processos de decisão dos agentes econômicos. Precisamos por novamente os pés no chão, pois o pensamento mágico se torna cada vez mais presente em nosso cotidiano.

* o autor é pesquisador da Embrapa


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